Eu não tenho ido ao Pampa, mas o Pampa veio em mim… Começo esse texto lembrando das tantas vezes que peguei a BR 290 ouvindo Vitor Ramil cantando essa música do disco… O único bioma brasileiro exclusivo do RS está passando por situações que nunca antes na sua história tinha atravessado. E, não só seus campos e matas verdejantes estão em perigo, mas a cultura da qual os gaúchos se orgulham em ostentar.
Como já tinha avisado no texto anterior, escrevo sobre o que rolou no 13º Fórum Internacional de Meio Ambiente (Fima) promovido pela Associação Riograndense de Imprensa (ARI). O evento proporcionou palestras e debates sobre a situação do bioma sob vários aspectos. Neste texto, vou discorrer sobre o que anda acontecendo com o Pampa devido à pulverização de agrotóxicos.
O que trago a seguir aconteceu no último painel da programação: “Potencial Turístico e Comercial do Pampa”. Já tinha ouvido falar sobre o estrago da deriva em Cachoeira do Sul, minha terra natal, outrora capital do arroz. Mas não tinha ideia do tamanho do estrago que promovia.
Durante esse painel, ficou evidente o quanto é urgente o governo, setores do agro e demais representantes da sociedade, encontrarem soluções para essa equação, cujo resultado depende da operação de vários fatores. Se você é urbano e não tem ideia do que seja a tal deriva, usarei a definição do site Agrolink, com algumas alterações feitas por mim.
Deriva é o desvio da trajetória de partículas de algum agrotóxico (o pessoal do agro usa a expressão defensivo agrícola) durante a pulverização, onde extrapola (e muito) a área do alvo desejado. Acaba atingindo outras plantas e/ou ambientes, causando os mais diversos prejuízos. Quanto mais tempo as gotículas de produtos ficam no ar, maior será o potencial de deriva. Quanto menor o tamanho da gota, maior a chance de ela ser carregada para fora do alvo desejado.
Isso porque, como todos já vêm sentindo na pele, no ar e na água, tudo depende de condições meteorológicas, como vento, temperatura, umidade (ainda mais em tempos de emergência climática). Quanto mais quente e úmido, mais ela se dispersa. Outros fatores também influenciam o surgimento da deriva, como a altura da barra de pulverização e a distância de áreas sensíveis ou suscetíveis.
Ou seja, o pessoal que aplica precisa ser muito hábil para diminuir o impacto da deriva. Além de causar impactos para os outros, o produtor que se vale desse recurso também pode ter prejuízo, pois a deriva é uma das principais causas de desperdício de produtos. São lados da falta de eficiência no combate a plantas daninhas nas lavouras, principalmente de soja. Causa incontáveis danos tanto às lavouras vizinhas, aos ciclos de vida dos ambientes, como flora, fauna, solo, águas e também nos seres humanos.
Mas, depois dessa breve explicação do que significa a deriva, vamos aos dados apresentados no evento da ARI. A vinícola Guatambu, atualmente produtora de 26 rótulos de vinho de boa qualidade, promotora de atividades de enoturismo, tem tido de 30% a 60% de sua produção impactada pela deriva de agrotóxicos com base de 2,4-D. Esse componente fazia parte do agente laranja, que foi usado na Guerra do Vietnã.
Gabriella Potter, da Guatambu, explica que, por ser muito volátil, a substância viaja de 10 a 20 quilômetros numa velocidade de 8km por hora. E isso desorganiza o metabolismo das plantas que vai encontrando pelo caminho. Agora dá para imaginar o quanto de tempo, de mão de obra, de dinheiro é investido num parreiral para vir uma nuvem dessas gotinhas e acabar com anos de investimento?
Os parreirais da vinícola, localizados em Dom Pedrito, já sofreram perdas de R$24 milhões entre 2017 e 2025, estimou a empresária. Ela disse que todas as análises feitas nas plantas positivaram para o 2,4-D. Mas ela comemora que, nos vinhos, pelo menos, o veneno não deixou rastro nas amostras.
Já Renato Fernandes (na foto), presidente do Instituto Brasileiro de Olivicultura (Ibraoliva), vai mais longe. Para ele, o ambiente do Pampa não é para plantar soja. Ele acredita que o setor já sofreu uma quebra de 50% na produção de azeitonas devido à deriva. Fernandes defende que o Pampa seja mais voltado para o turismo e para a fruticultura. Em sua pousada, batizada de Vila do Segredo, em Caçapava do Sul, é oferecida aos clientes uma experiência ímpar de hospedagem em meio a um olival. Ele disse que já recebeu gente de várias partes do mundo que ficam encantados com as características da região.

Vocação do Pampa
Encravada na Serra do Sudeste, Caçapava do Sul é um dos municípios mais geodiversos do Brasil, quiçá do mundo. Com certeza, Fernandes tem razão de que a vocação natural da região é a cultura, a diversidade de paisagens, entre outros atrativos naturais que oferece. Não é por nada que o território tem selo, um tipo de certificação de patrimônio geológico internacional, atestado pela Unesco.
Patrícia de Freitas Ferreira, do Comitê Gestor do Geoparque de Caçapava, apresentou o quanto o reconhecimento tem gerado atividades de valorização do território. Ela evidenciou o quanto a comunidade escolar e acadêmica tem tido oportunidades para conhecer, estudar e, consequentemente, sonhar e planejar um futuro mais sustentável com base no que a região oferece. Confesso, sou apaixonada por aquela região, que conheci desde minha adolescência, quando uma das minhas irmãs morou por lá. As Guaritas, a Pedra do Segredo, o Rincão do Inferno (que de inferno não tem nada), aqueles horizontes são de deixar qualquer viajante experiente boquiaberto.
A procuradora de Justiça Ana Maria Marchesan também destacou a expressiva biodiversidade de espécies e a prestação de serviços ecossistêmicos que o Pampa proporciona. Ela citou também a riqueza de patrimônios imateriais que se caracterizam pela cultura típica do gaúcho, que toma chimarrão e carrega um jeito de viver livre em campereadas.
Os empreendedores esperam que o governo do Estado auxilie na busca de solução para o problema da deriva. Hoje é um cardápio variado de atrativos, desde pousadas nas Minas do Camaquã até um passeio de Trem do Pampa, em Santana do Livramento.
Vale lembrar também que o RS aprovou no início deste ano a Lei Estadual n.º 16.267/25, que declara a aviação agrícola como de relevante interesse social, público e econômico. Essa mesa do Fima levantou uma série de questões e ficou nítido que está faltando uma mediação do governo do Estado para lidar com o contexto. Afinal, isso não é uma simples briga de vizinhos. É nessa hora que fica explícito o poder de uns em detrimento do bem comum. O que pode ser bom para uns traz prejuízos para muitos.
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Foto da Capa: Geaoparque de Caçapava do Sul / Unipampa