Há algum tempo tenho buscado leituras que me inquietam. Já não me basta apenas uma boa história, embora elas também me fascinem. Eu quero mais. Quero textos que me provoquem, às vezes me causando repulsa até mesmo pelos seus protagonistas. Quero palavras que me puxem para abismos inesperados, que me façam sentir a vertigem de estar diante do desconhecido — e, pior, do reconhecido, mas ignorado. Busco aquelas histórias que não me deixam em paz mesmo depois de fechadas, que insistem em assombrar meus pensamentos nos momentos mais inoportunos. Quero autores que tenham a ousadia de me confrontar, que não temam sujar as mãos de tinta carregada de angústia e contradição. É um desejo estranho esse, eu sei. Mas há algo de essencial no incômodo. Como se, ao sair da leitura com um gosto amargo na boca, eu estivesse um pouco mais próxima da verdade — ou, ao menos, de uma verdade que não se rende à comodidade do que é palatável.
Foi assim que cheguei aos contos de Sinara Foss. Talvez por uma necessidade de desconstrução, ou por aquela fome por histórias que me atravessam sem pedir licença. Seus contos não oferecem conforto — pelo contrário, eles são como pequenas lâminas que cortam sem aviso, revelando camadas ocultas da dor humana. Na brevidade de seus textos, Sinara Foss não economiza no impacto. Seus personagens são muitas vezes desconcertantes, movidos por impulsos viscerais, por desejos que incomodam, por dores que não cicatrizam. Não há espaço para ilusões ou finais redentores. O que há é a crueza da existência, a complexidade das relações humanas, a violência sutil (ou explícita) que atravessa a vida cotidiana. E, sobretudo, a luta incansável de mulheres marcadas pela dor, enfrentando seus algozes com a força que a própria sobrevivência lhes impõe. Mulheres que carregam no corpo e na alma as cicatrizes do sofrimento, que resistem apesar de tudo – e que, por vezes, só encontram sossego na vingança.
Os contos dessa autora não terminam quando acabam. Ficam ecoando na mente, assombrando com perguntas sem respostas, com imagens que teimam em reaparecer quando menos se espera. Sinara Foss escreve para perturbar, para abrir fendas no olhar do leitor. E é exatamente isso que tenho procurado: palavras que não me deixam intacta diante da perversidade humana.
Sinara Foss constrói seus contos como quem finca raízes em um terreno fértil e sombrio, onde o real e o fantástico se entrelaçam, formando uma paisagem literária de atmosfera densa. Em Fotossíntese e outros processos de sobrevivência, essa fusão entre a natureza e a existência humana se torna ainda mais evidente. A estrutura do livro, dividida em Fase luminosa, Fase de fixação e Rearranjo, reflete o próprio ciclo vital das plantas, sugerindo que a literatura – assim como a vida – precisa de luz e sombra, destruição e regeneração, para se sustentar. O conto que dá título à coletânea, Fotossíntese, é um dos exemplos dessa simbiose entre o orgânico e o insólito. A imagem de uma garota que vê uma planta brotar de seu canal auditivo não é apenas uma cena de estranhamento, mas um chamado à reflexão sobre as raízes invisíveis que nos atravessam – sejam elas traumas, memórias ancestrais ou as marcas de um mundo que insiste em sufocar tudo o que cresce fora do controle. Como muitas escritoras que acreditam na força reativa da natureza, Sinara Foss parece confiar na insurgência do mato, na resiliência do que foi arrancado, na inevitabilidade do retorno daquilo que tentamos apagar.
Além do fantástico, Sinara Foss mergulha no terror, um gênero que tem ganhado cada vez mais espaço na literatura contemporânea, possivelmente como um reflexo das angústias do nosso tempo. Em Plural de Fêmeas, o horror emerge tanto do extraordinário quanto do banal, desafiando o limite entre o que é real e o que nos assombra de forma silenciosa e cotidiana.
Foi dessa forma que a escrita de Sinara Foss se enraizou em mim. Seus contos transmutam o medo e o insólito em matéria literária, convertendo o desconhecido em um campo fértil para descobertas. É essa habilidade de desestabilizar, de abrir fissuras no olhar do leitor, que me faz sempre regressar às suas páginas — como quem adentra um bosque enigmático, consciente de que, no escuro, algo sempre germina, aguardando o momento de emergir.
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Foto da Capa: Sinara Foss / Reprodução do Instagram