Em recente artigo “Ignorância e Poder na Contemporaneidade” (Rede Estação Democracia, out.2024), a professora Maria Susana Arrosa Soares afirma: “A produção em ritmo industrial de novos e revolucionários conhecimentos em diversos campos do saber desencadeou um verdadeiro tsunami cognitivo, origem da “Infoxicação”. A sobrecarga de informações tem redundado no aumento da ignorância e afetado a capacidade de memória dos indivíduos”.
Segue a autora: “Ao contrário do que geralmente se imagina, o aumento de novas informações sobre temas, assuntos e acontecimentos, particularmente relativos à vida social e à política não resulta em uma correspondente expansão do conhecimento dos indivíduos”.
Uruguaia de nascimento, radicada em Porto Alegre, Maria Susana graduou-se em Ciências Sociais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul / UFRGS, em 1963, onde logo passaria a lecionar. Em 1983, concluiu seu doutorado no México. Sua tese: “Los intelectuales y la crisis ideológica en los años 1920 en Brasil”. Integrou a Pós-Graduação da UFRGS, nas áreas de Sociologia, Ciência Política, Antropologia. No início da década de 1990, fez pós-doutorado em Paris.
Concebeu um exitoso seminário internacional que passaria a reunir cientistas sociais brasileiros e latino-americanos, em sucessivas edições. Atuou também no âmbito administrativo da educação, em paralelo às atividades de ensino e pesquisa, desenvolveu investigações em Diplomacia Cultural, Mercosul, Relações Internacionais. Organizou o Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais, vinculado ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, também na UFRGS.
Mas se enumero tanto de sua formação é porque, apesar de aposentada e de uma extensa produção literária, a professora mantém sua inquietude intelectual. É com jovial entusiasmo que enumera e propõe reflexões a partir da observação de novos comportamentos. Tem escrito artigos instigantes que ajudam a compreender alguns aspectos aparentemente paradoxais da atualidade.
Na citada publicação, ela cita Burke (in “Ignorancia. Una historia general”. Ed. Vestígio, 2023), que apresenta a ignorância como: – ativa, o indivíduo não sabe algo; – passiva, não quer saber; ou – deliberada, não quer que os outros saibam de algo. A grande questão é que, atualmente, não sabendo, não querendo saber ou não querendo que os outros saibam, “qualquer um” tem facilidade de “passar adiante” qualquer in/desinformação. Disso, consequências.
Quanto à estupidez, a professora ensina que não é um tipo “específico” de ignorância. Nem o termo pejorativo que comumente se utiliza para designar a falta de conhecimento ou da capacidade de cognição. Não tem origem psicológica e não é determinada pela bagagem intelectual. Segundo a doutora Maria Susana: “O estúpido não é consciente de sua própria estupidez; ele age sem refletir e é incapaz de dimensionar as possíveis consequências de suas atitudes e comportamentos”
Outras características do estúpido: suas ideias, evidentemente, também são estúpidas e ele atua com base nelas, o que pode se dar em quem tem alto nível educacional e boas condições sociais. Sente atração por líderes carismáticos, sejam políticos, religiosos, figuras com grande poder de mobilização. Sem esquecer também os “youtubers”, “influencers”, danosos pseudocientistas e apregoadores de milagres.
O indivíduo estúpido sente-se empoderado quando em grupos, entre manifestantes radicais, o que dificulta comunicar-se com ele. Ao ser questionado, não consegue justificar suas reais motivações de forma racional e muitas vezes sua reação é violenta. Está sempre convencido de suas crenças e quem se opõe é julgado inimigo. Mesmo em triviais encontros de família, de professores e pais, assembleias de condomínio, reuniões políticas, de clubes e agremiações, um estúpido pode até agredir fisicamente aquele que considera seu opositor.
O teólogo alemão Dietrich Bonhoeffer, criador da teoria da estupidez, já advertia a jamais tentar persuadir o estúpido com argumentos: “É inútil e perigoso”. Vale também para grupos de WhatsApp.
Maria Susana Arrosa Soares esclarece que sua motivação para a escolha da ignorância e da estupidez, como eixos do seu estudo, resultou da constatação empírica do frequente uso desses termos nos debates e confrontos políticos. Note-se que “a classificação do oponente como ignorante ou estúpido exime o autor da mensagem de formular argumentos racionais baseados em fatos e seu impacto destrutivo atua de forma imediata”.
Reproduzo as palavras de Giancarlo Livraghi, filósofo milanês, que também me foi apresentado pela autora. De sua obra “O poder da estupidez” (Ed. Ares y Mares, 2010): “Quando a estupidez de uma pessoa se combina com a estupidez alheia, o impacto cresce de forma geométrica; isto é, por multiplicação, não por adição, dos fatores da estupidez individual”.
Na condição de um fenômeno global, a estupidez se propaga instantaneamente, através das redes sociais, e se desloca ainda mais célere nas planuras.
Estando todos nós, em maior ou menor grau, “infoxicados” – o neologismo foi criado pelo físico espanhol Alfons Cornella em 1995 -, só cabe agradecer por essa aula à professora Maria Susana. Faz compreender melhor muita coisa presenciada e evitar a contaminação. Abre frestas e respiros em meio à situação em que nos metemos.
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Foto da Capa: Acervo do Autor.