No dia 13 de outubro passado, faleceu aos 94 anos de idade, no Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre, o advogado, historiador e jornalista Sérgio da Costa Franco (1928-2022) (foto da capa). Natural de Jaguarão, na fronteira com o Uruguai, tornou-se um dos maiores pesquisadores sobre a história do Rio Grande do Sul, em especial da sua capital. Chegou em Porto Alegre no ano de 1935, vindo de barco com sua família, após uma tragédia que vitimou seu pai (o juiz fluminense Álvaro da Costa Franco, que veio trabalhar em Jaguarão), assassinado no exercício da advocacia, por “um homem que se sentiu contrariado”, segundo depoimento dado à jornalista Jéssica Rebeca Weber, de Zero Hora (WEBER, 2021, p. 11). Era o sétimo dos oito filhos do casal. Com a mãe Gilda, Sérgio e seus sete irmãos se estabeleceram no Menino Deus, bairro que lhe pareceu “simpático e acolhedor”, com muitos espaços verdes entre as casas, descrevendo-o no livro Memórias de um Escritor de Província (2008), Editora Evangraf, como um local que tinha à época um bucolismo de grandes chácaras (Idem), bairro que deixou na infância, mas no qual voltaria a fixar residência, na Avenida Getúlio Vargas, nos seus últimos anos de vida.
Aos 15 anos, Sérgio começou a trabalhar. Após concluir o secundário no Colégio Anchieta, na Rua Duque de Caxias, em 1945, se transferiu para São Paulo, onde pretendia estudar Filosofia na Universidade de São Paulo. Não conseguindo seu objetivo, retornou a Porto Alegre. De volta, se tornou bacharel numa das primeiras turmas de História e Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul-UFRGS (1945-1948). Desejava mesmo era ser médico. Deu aulas no Curso Ginasial Rui Barbosa, sendo professor de ensino médio de 1947 a 1968. Conciliou o magistério, primeiramente com o cargo de chefe de comunicação regional do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (1949-1952). Aos 23 anos, em dezembro de 1951, casou-se com Ignez Maria Casella da Costa Franco, em dezembro de 1951, com quem teve cinco filhos: Sérgio, Maria Ignez, Miguel, Fernando e César. O casamento duraria 66 anos (Ignez faleceu em 2017). Foi nesta época que Sérgio iniciou-se no jornalismo. No ano seguinte, aprovado em concurso público, assumiu função de escriturário no Banco do Brasil (1952-1957), inicialmente trabalhando em Cruz Alta. Em 1954, retornou à Porto Alegre para concluir a Faculdade de Direito, na UFRGS (1950-1954). No ano de 1957, aprovado em concurso público, fez carreira no Ministério Público do Rio Grande do Sul, tornando-se promotor de justiça (trabalhou em Encantado, Soledade, Erechim e Porto Alegre); posteriormente foi elevado ao cargo de procurador de Justiça (1976), aposentando-se aos 49 anos de idade, em 1977. Daí em diante dedicou-se às crônicas no jornal O Correio do Povo, com o qual já colaborava, e à história. Um turno para cada atividade. Como jornalista escreveu colunas e crônicas nos jornais O Correio do Povo e Zero Hora. De 1978 a 1983, comandou editorias no jornal O Correio do Povo. Na qualidade de historiador, Sérgio foi membro honorário do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul – IHGRGS (2017-2022), no qual exerceu a presidência entre 1996 e 1998. Também foi membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro – IHGB. Como cronista foi agraciado com o Prêmio Carlos de Laet (1976), da Academia Brasileira de Letras, pela obra Quarta Página (1975), Edições Melhoramentos, onde reuniu as que escreveu no jornal O Correio do Povo.
Particularmente ao autor deste texto, Sérgio foi além da figura do escritor e historiador. Desde pequeno, quando perdeu o pai, Estácio Kramer da Luz (1925-1964), também tragicamente, passou a se interessar em ler artigos e livros escritos por Costa Franco. Sérgio e Estácio eram contemporâneos e se tornaram amigos quando o segundo, em 1941, mudou-se para Porto Alegre. Foram colegas no Colégio Anchieta. Após a morte de Estácio, Franco lhe dedicou duas colunas no jornal O Correio do Povo. Em uma delas descreveu o amigo que perdera (FRANCO, 1964, p.4). Lembrou que Estácio se “embebia de Goethe e Dostoiewski” e que, como pintor, era “tido como promissora revelação nas rodas intelectuais de Porto Alegre e do Rio”. Também era um “feroz estudioso de matemática superior, que cobria mesas de café com integrais complicadas”. Disse que Estácio estudou Arquitetura e Física, cursos que desistiu logo ao princípio. E, além de tudo isso, foi um “funcionário exemplar”, da Secretaria de Educação e depois da Secretaria da Fazenda como Fiscal de ICM, “através de concursos bem sucedidos”. Escreveu que Estácio foi “Talento dos mais notáveis, dotado de versatilidade fora do comum, tudo assimilava e compreendia com enorme facilidade. Passava de um ramo do saber a outro, rompendo relações com o precedente e engolfando-se com sofreguidão no novo objeto de seus interesses”. Disse que o amigo não tinha qualquer brilho exterior, e muitos que com ele privaram não lhe terão reconhecido o valor intrínseco”.
Em outra coluna, Sérgio também lembrou de uma viagem que realizaram à Fazenda do Rincão da Cruz, em Esmeralda, na época, quarto distrito de Vacaria, de propriedade de Salvador Juvêncio da Luz (1882-1968). Quando o filho de Estácio esteve à frente da Coordenação da Memória Cultural da Secretaria da Cultura de Porto Alegre (1989-1992), na administração Olívio Dutra (1941), trabalhando com o Secretário Luiz Paulo de Pilla Vares (1940-2008), teve a oportunidade de conhecer pessoalmente o historiador. Naquela época, a prefeitura municipal lançou, conjuntamente com a Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a segunda edição do Porto Alegre: Guia Histórico, obra originalmente publicada (em 1988), com a mesma parceria, na administração municipal anterior, de Alceu de Deus Collares (1927). Quis o destino que se encontrassem. Não chegou a nascer uma amizade, mas, apesar da relação cerimoniosa que se estabeleceu, reforçou o respeito e a admiração pelo historiador e sua obra, considerando que naquele momento, o filho do colega e amigo iniciava a sua trajetória de professor na área de Teoria e História da Arquitetura na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo do então Instituto Ritter dos Reis, na qual seguidamente as consultas às obras do historiador passaram a ser constantemente consultadas.
Sérgio deixa um imenso legado para quem deseja conhecer mais sobre Porto Alegre. Seu nome junta-se aos de Francisco Riopardense de Macedo (1921-2007) e Sandra Jatahy Pesavento (1945-2009), na área de estudos da história de Porto Alegre. O historiador Charles Monteiro testemunha a importância de Sérgio ao confirmar o papel que teve a produção do historiador na elaboração de sua dissertação de mestrado e em sua tese de doutorado. Monteiro afirma que “Ele propiciou ou estimulou o desenvolvimento de várias pesquisas acadêmicas a partir dos seus achados” (WEBER, op. cit., p. 10). Em entrevista no dia do falecimento de Sérgio, Monteiro disse que este “Era uma pessoa respeitada entre seus pares. Ele não era exatamente um acadêmico, mas alguém que trabalhou muito em arquivos e que teve uma participação importante na produção e elaboração da história de Porto Alegre” (MONTEIRO, gauchazh.clicrbs, 14/10/2022). Ricardo Chaves, na matéria feita por Jéssica, defendeu que os gaúchos devem gratidão eterna a ele (WEBER, op. Cit., p.11).
Sérgio da Costa Franco apaixonou-se por Porto Alegre quando aqui chegou. Prova disso é a frase que abre a matéria de jornal citada. Nela o historiador disse: “Meu desejo para Porto Alegre, nestes 250 anos, seria a cidade que eu conheci em 1935. Ela era fantástica”. Quê Porto Alegre era aquela? Era a cidade que ainda ostentava resquícios do período colonial e que nas décadas anteriores recebera também a contribuição das arquiteturas ecleticistas de imigrantes europeus do quilate de Theo Wiederspahn (1878-1952) e José Lutzenberger (1882-1951). Cidade que começava a se transformar aceleradamente nas competentes administrações de Otávio Rocha (1877-1928), período entre 1924 e 1928, de Alberto Bins (1869-1957), entre 1928 e 1937, e de José Loureiro da Silva (1902-1964), de 1937 a 1943. Foram as melhores administrações que a urbe teve.
Otávio Rocha saneou as finanças da municipalidade e empreendeu as primeiras transformações urbanas sonhadas desde 1914, quando o engenheiro João Moreira Maciel (1877-?) elaborou, na administração de José Montaury (1858-1939) o seu Plano Geral de Melhoramentos. Nesta época, o Governo do Estado concluía o Cais Mauá, surgiam como resultado dos novos aterros, as avenidas Mauá e Júlio de Castilhos. Otávio Rocha transformou o local da antiga doca adjacente ao mercado público, aterrado, na Praça Parobé. Deu início ao alargamento da Rua 24 de Maio (antes Beco do Rosário) para formar a avenida, que hoje, merecidamente leva seu nome, concluída por Alberto Bins, conectando-a com a Rua São Rafael (atualmente Avenida Alberto Bins), e que posteriormente formaria a importante radial na direção norte (radial Avenida Otávio Rocha / Avenida Alberto Bins / Avenida Cristóvão Colombo / Avenida Benjamin Constant / Avenida Assis Brasil). Ainda na administração deste prefeito, foi iniciado o alargamento da Rua General Paranhos e a construção do Viaduto Otávio Rocha (1928-1932), para posteriormente se materializar a Avenida Borges de Medeiros. Também, na administração de Otávio Rocha, seccionou-se uma área ao norte do Campo da Redenção para implantar o Jardim Paulo Gama, “semente de um futuro parque” como indicou Sérgio da Costa Franco (FRANCO, 2018, p. 164).
Alberto Bins deu continuidade ao trabalho iniciado por Otávio Rocha. Em 1928, aproveitando de um terreno triangular, resultante das desapropriações para a conexão da Avenida Otávio Rocha com a Rua São Rafael, foi concebida por Christiano de la Paix Gelbert (1899-1984), a Praça Otávio Rocha. Alberto Bins concluiu ainda Avenida Borges de Medeiros, terminando as obras do viaduto (1932) e abrindo o trecho entre a Praça Montevidéu e a Rua General Andrade Neves (1935). Assim, a Avenida passou a ligar a Avenida Mauá com a Rua Coronel Genuíno, próximo da Ponte de Pedra hoje conhecida como Ponte dos Açorianos. Posteriormente a Borges foi conectada com a Avenida Praia de Belas (1943), via que circundava originalmente a enseada voltada para o sul. Sua administração ligou também, em 1929, a Rua São Rafael, com a Avenida Cristóvão Colombo (antiga Rua da Floresta), trecho que faltava para concluir a radial norte. Um ano antes, Alberto Bins recebeu o urbanista francês Alfred Hubert Donat Agache (1875-1959), que viria a realizar um plano para o Campo da Redenção, materializado por Christiano Gelbert, após a Exposição do Centenário Farroupilha (1935), e que recebeu o nome de Parque Farroupilha (1936).
José Loureiro da Silva também fez uma administração notável, ao empreender novamente a recuperação financeira do município e realizar novas e importantes obras. Criou um número significativo de praças, na época uma carência da cidade. Além disso, abriu as Avenidas Farrapos e Senador Salgado Filho (1940). A Avenida Farrapos passou a ligar a Rua da Conceição com a Avenida Ceará, constituindo-se em um dos principais acessos à cidade, para quem a chega pelas BRs 116 e 101 ou via aérea, ligando a área central ao Aeroporto Internacional Senador Salgado Filho. No passado, no trecho entre a Rua Félix da Cunha e a Avenida Arabutã, situava-se a Avenida Minas Gerais cujo traçado foi utilizado para compor boa parte da extensa Avenida Farrapos. Cabe lembrar que no início da Avenida Farrapos, no encontro com a Avenida Ceará, constituiu-se um largo, que recebeu a denominação de Largo do Bombeiro (1946), para o qual estava prevista a colocação de uma estátua equestre de um gaúcho “bombeador”, de autoria de João Marcos Teixeira Bastos (1894-1959) (PAIXÃO CORTES, 1994, P. 52). No local, junto da então Estação Ferroviária Augusto Pestana, demolida na construção da linha do Trensurb, acabou sendo implantada a estátua do Laçador (criada em 1954), de autoria do artista pelotense Antônio Caringi (1905-1981), inaugurada em 20 de setembro de 1958 (ALVES, 2022, p. 108). Já a Avenida Salgado Filho foi aberta com o alargamento da Rua 2 de Fevereiro, permitindo a conexão entre a Avenida Borges de Medeiros, na altura da Rua General Andrade Neves, com a Avenida João Pessoa.
Na administração de Loureiro da Silva teve início a retificação do Riacho (1939-1942), com a construção das pontes da Azenha, da Getúlio Vargas e da João Pessoa, embrião da atual Avenida Ipiranga, iniciava com isso a solução para os problemas de inundação na região da ilhota. Durante sua administração, foi realizado um plano urbano para a cidade (1938-1943), elaborado pelo arquiteto Arnaldo Gladosch (1903-1954), que tinha trabalhado com o urbanista Alfred Agache no Plano Urbano do Rio de Janeiro (1926-1930). Na sua prestação de contas, escrita pelo urbanista Edvaldo Pereira Paiva (1911-1981), intitulado Um Plano de Urbanização, o leitor encontra detalhadamente os resultados da profícua administração.
Sérgio da Costa Franco foi testemunha ocular dessas transformações, como menino e adolescente. Não por acaso se empenhou em estudar a cidade que viu ser transformada de uma cidade provinciana em uma metrópole, como se gabavam os jornalistas e escritores que presenciaram tais mudanças.
Na sua produção bibliográfica sobre Porto Alegre, vale destacar os livros Porto Alegre: Guia Histórico (1988), Editora da UFRGS, Os viajantes olham Porto Alegre (2004), com Valter Antonio Noal Filho, Editora Anaterra, que recebeu o Troféu Açorianos de livro do ano de 2005, e Porto Alegre ano a ano: uma cronologia histórica 1732-1950 (2013), Porto Alegre e seu comércio (1983), e Porto Alegre sitiada (2000), Editora Sulina, indispensáveis para conhecer a cidade. Merecidamente, em 2009, foi agraciado com o Prêmio Joaquim Felizardo.
Porto Alegre: Guia Histórico é uma das obras mais significativas para quem deseja estudar a cidade sobre as mais diversas óticas. Nele, Sérgio da Costa Franco desenvolveu quase um milhar de verbetes no qual registrou, em especial, dados que pesquisou sobre a origem e desenvolvimento de logradouros públicos da capital gaúcha, sobre seus monumentos e sobre alguns de seus principais personagens. Nesta obra, em especial, é visível a seriedade com que explorou a documentação primária e a bibliografia existente sobre a cidade.
No campo da arquitetura, do urbanismo e do paisagismo, sua obra tem importância significativa. Dá para afirmar que, junto com os livros escritos por Francisco Riopardense de Macedo, Günter Weimer (1939) e de Célia Ferraz de Souza, são os referenciais principais usados para ensinar e para praticar a profissão. Embora não tenha atuado junto às academias, Sérgio da Costa Franco deixou importante contribuição. Nas disciplinas que envolvem o conhecimento da teoria e história da arquitetura regional, nos ateliers de projetos arquitetônicos, de Urbanismo e de paisagismo, os livros de Costa Franco, em especial o “Guia”, constam geralmente da bibliografia básica ou recomendada.
Quando os profissionais destas áreas atuam em uma cidade, antes de mais nada, precisam estudar o local onde intervirão. Minuciosamente investigam a situação do local no contexto urbano. Como o local era, como se transformou e como se encontra? Estudam a história, a geografia e a topografia do lugar para compreender a cidade, o bairro onde ocorrerá a intervenção, o terreno e o seu entorno. Normalmente a história do lugar é o ponto de partida. E Sérgio da Costa Franco está e estará presente nos auxiliando a formar ou aperfeiçoar profissionais ou explorar seu contributo na concepção de novos projetos. Sem dúvida, a sua partida deixou uma lacuna que tão cedo não será igualada.
NOTAS:
ALVES, José Francisco. A escultura pública de Porto Alegre: obra comemorativa – Porto Alegre 250 anos. Porto Alegre: Ponto Arte, 2022.
FRANCO, Sérgio da Costa. Estácio Luz. Porto Alegre: Jornal O Correio do Povo, 17 de julho de 1964, p. 4.
FRANCO, Sérgio da Costa. Porto Alegre ano a ano: cronologia histórica (1732-1950). Porto Alegre: Letra & Vida, 2012.
FRANCO, Sérgio da Costa. Porto Alegre: Guia Histórico. Porto Alegre: Edigal, 5ª edição, 2018.
FRANCO, Sérgio da Costa. Porto Alegre e seu comércio. Porto Alegre: Associação Comercial de Porto Alegre, 1983.
FRANCO, Sérgio da Costa. Porto Alegre sitiada. Porto Alegre: Editora Sulina, 2000.
FRANCO, Sérgio da Costa & NOAL FILHO, Walter Antonio. Os viajantes olham Porto Alegre. Santa Maria: Editora Anaterra, 2 volumes, 2004.
MONTEIRO, Charles. “Temos que reconhecer e comemorar essa produção”, diz Charles Monteiro sobre trabalho de Sérgio da Costa Franco | GZH (clicrbs.com.br). Acesso em 26/10/2022, 10:00h.
PAIVA, Edvaldo Pereira. Um Plano de Urbanização. Porto Alegre: Prefeitura Municipal, 1943.
PAIXÃO CORTES, João Carlos. O Laçador – História de um símbolo. Porto Alegre: “35” Centro de Tradições Gaúchas, 1994.
SOARES, Eduardo Alvares de Souza. Discurso de recepção. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul – RIHGRGS, Porto Alegre nº 53, p. 191-195, dezembro de 2017.
WEBER, Jéssica Rebeca. Memória viva de Porto Alegre. Jornal Zero Hora, coluna Perfil, de 4 e 5 de dezembro de 2021, p. 10-12.