Steve Silberman, jornalista, defensor dos direitos dos autistas, nos deixou na quarta-feira à noite aos 66 anos, conforme comunicado do seu marido Keith Karraker, na rede social Bluesky. Em sua brilhante carreira, escreveu para as mais conceituadas publicações nos EUA, como a New Yorker e New York Times. Na revista Wired, publicou reportagem contando do nascimento da Neurodiversidade, texto que deu origem a seu aclamado livro (Neurotribes: The Legacy of Autism and the Future of Neurodiversity) e que uniu definitivamente o seu nome a essa ideia.
Iniciava seu texto contando que, no final da década de 1990, a socióloga autista Judy Singer inventou uma nova palavra para descrever condições como autismo, dislexia e TDAH: neurodiversidade. Ela esperava mudar o foco do discurso sobre formas atípicas de pensar e aprender para longe da ladainha usual de déficits, distúrbios e deficiências. Ecoando termos positivos como biodiversidade e diversidade cultural, seu neologismo chamou a atenção para o fato de que muitas formas atípicas de funcionamento cerebral também transmitem habilidades e aptidões incomuns.
Explicava que pessoas autistas, por exemplo, têm memórias prodigiosas para fatos, são frequentemente altamente inteligentes de maneiras que não são registradas em testes de QI verbal e são capazes de se concentrar por longos períodos em tarefas que aproveitam seu dom natural para detectar falhas em padrões visuais. Pelos padrões autistas, o cérebro humano “normal” é facilmente distraído, é obsessivamente social e sofre de um déficit de atenção aos detalhes.
Ele ressaltou que o movimento da Neurodiversidade é uma forma de ativismo social que luta por direitos civis. Concluiu destacando que, se a diversidade biológica traz resiliência e a capacidade de adaptação às mudanças, em um “mundo que muda mais rápido do que nunca”, a neurodiversidade é a melhor chance para a civilização prosperar em um futuro incerto”.
A originalidade de sua obra reside em contar a história dos autistas pelo ponto de vista dos próprios autistas, sem ignorar os movimentos de pais e a solidão sentida por estes, seja pelo isolamento social, seja pela falta de explicações oferecidas pela ciência para o que estavam atravessando com seus filhos. Mapeia com maestria a evolução dos conceitos médicos e dos tratamentos, muitas vezes cruéis e desumanos.
Sua dedicação ao tema, apesar de não ser autista, o levou às TED Talks, em que sua palestra “A história esquecida do autismo” chega a quase 2 milhões de visualizações. Nela, ataca o boato que vacinas causariam autismo, baseado em um artigo fraudulento publicado na imprensa científica e trata das diferentes concepções do que é autismo.
Steve, um jornalista comprometido com a divulgação de informação científica de qualidade, dedicou-se a desmistificar e combater preconceitos relacionados ao autismo e aos autistas. Em sua última publicação na revista “Scientific American”, ele criticou a indicação de Nicole Shanahan para vice-presidente na chapa do candidato independente Robert F. Kennedy Jr., denunciando que Shanahan era adepta de teorias conspiratórias sobre o autismo e submetia sua própria filha a tratamentos sem qualquer base científica.
Ao mesmo tempo que lutava contra os tratamentos abusivos a que autistas eram submetidos, levantou sua voz contra a ofensiva conservadora contra as pessoas LGBTQIA+, atingindo em especial as pessoas trans. Protestou contra os projetos de leis que tramitam em vários estados americanos restringindo ou até mesmo impedindo o acesso de pessoas transexuais a terapias afirmativas de gênero. Foi um opositor ferrenho da chamada “cura gay” ou “cura trans”, terapias inúteis que colocam em risco quem passa por ela. Alertava que precisamos vigiar para proteger jovens LGBTQIA+ dos abusos e violências patrocinados por políticos e juízes de extrema direita.
Foi uma voz veemente a favor da inclusão e contra a segregação de autistas, como vemos por suas palavras na ONU, no Dia Internacional de Conscientização sobre o Autismo:
Inclusão não significa simplesmente convidar pessoas com deficiência para nossos locais de trabalho, salas de aula e comunidades como um gesto de compaixão. Trata-se de garantir que cada membro da nossa sociedade tenha a maior chance de sucesso. Quando pessoas com deficiências de desenvolvimento têm o que precisam para florescer, todos se beneficiam. Essa é a mensagem da neurodiversidade.
Foto da Capa: Reprodução TED Talks
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