Em 1936, Chaplin fez um filme que vai permanecer atual enquanto vivermos num mundo comandado pelos princípios do capitalismo e da revolução industrial. Lançado após os efeitos da crise de 1929 nos Estados Unidos, a relação dramática entre o aumento da tecnologia e a diminuição do emprego se acentua.
Há grande repressão aos sindicatos e à luta dos operários submetidos aos baixos salários e as degradantes condições de trabalho criadas pela nova era. Num primeiro momento, o personagem de Chaplin trabalha numa fábrica. O trabalho repetitivo na linha de montagem acaba levando-o a uma crise nervosa, sendo internado para tratamento.
Depois de ter alta, perambula pela cidade e acaba sendo tomado, de maneira totalmente acidental, por um líder comunista, um agitador que estava comandando um protesto de rua dos trabalhadores. Tudo porque apanhou uma bandeira que caiu de um carro e corria atrás para devolver, enquanto a passeata que dobrava a esquina o alcança, colocando-o, para o ponto de vista da polícia que chegava para reprimir o movimento, como o cabeça de tudo.
Foi preso e também sai da cadeia de forma hilária, pois cheirou por engano a cocaína de um traficante preso, colocada no saleiro, o que o deixou com coragem para enfrentar outros bandidos que armaram um motim para fugir. Seu enfrentamento foi recompensado pelo delegado de polícia, que ordenou que fosse solto, recebendo, inclusive, uma carta de recomendação para tentar um novo emprego.
A partir daí, começa sua peregrinação de emprego e emprego, sempre revelando a sua inadaptabilidade aos parâmetros desse mundo. Em paralelo à sua história, uma órfã vive também o seu drama de marginalidade. Recusa-se a ficar sob a tutela do poder público, fugindo dos funcionários encarregados de definir seu destino.
Ambos correndo da polícia, acabam cruzando seus caminhos e idealizam viver numa casa, com uma vida de um casal de classe média que avistam da calçada, sentados na rua. A soma das parcas forças para enfrentar a vida acaba fazendo os dois tentarem trabalhar.
Dançando na rua, ao som de algum músico que por ali se passava, a garota é convidada pelo dono de um restaurante para se apresentar e trabalhar no seu estabelecimento. Mais tarde, o personagem de Chaplin, depois de sair novamente da cadeia, é recomendado pela moça para trabalhar no mesmo restaurante como garçom e como cantor.
Ele, que já tinha tentado ser um operário entre as máquinas, um armador de navios, um guarda noturno de loja, sempre se dando mal, aceita essa nova tentativa, mesmo tendo para si que não tinha a mínima experiência para nenhuma das duas novas funções. Servindo como garçom, ele se esforça, protagonizando uma das cenas mais geniais do filme, entre tantas, quando tenta servir um exigente cliente e não consegue chegar à mesa, pois a orquestra começa a tocar e a pista se enche com as pessoas dançando. É novamente repreendido, não sendo aprovado.
Resta a segunda função para a qual foi contratado: cantar. Ele não consegue decorar a letra da canção, então ela escreve no seu punho o texto. Quando entra e começa a dançar ao som da orquestra, o punho se solta e cai, voando para longe a sua cola. A moça, à distância, diz para esquecer as palavras e cantar. Ele improvisa, colocando palavras sem sentido na melodia, cantando em francês, italiano e espanhol. Seu número faz grande sucesso e, pela primeira vez, seu trabalho é aceito e valorizado.
Que trabalho é esse? O trabalho de artista. Aquele personagem que não se adaptou à regra nenhuma, criou a sua própria, intervindo, recriando e se apropriando de uma canção de sucesso, mas à sua maneira.
A moça, que também tinha encontrado seu sustento como dançarina, volta a ser perseguida pelo poder público, sendo procurada como infratora. Ambos têm que fugir novamente. Ela, cansada, diz que seria melhor desistir de tudo. Ele, agora tendo encontrado quem sabe um lugar nesses tempos modernos, diz a ela que não. Que eles devem seguir tentando. E diz para ela sorrir, smile.
Foto da Capa: Charlie Chaplin e Paulette Goddard, em Tempos Modernos – Reprodução