Você não precisa ser cristão pra saber quem é o Papa, nem precisa ser religioso para ter empatia e lamentar a morte de alguém.
Também não precisa ser Papa para defender os direitos humanos. Mas isso foi o que Jorge fez com mais afinco depois que virou Francisco, o Papa.
Não vou repetir toda a biografia que está disponível na internet, mas resumindo e desenhando, Francisco foi o mais pop dos papas – título da música dos Engenheiros do Hawaii baseada em outro Papa, João Paulo II, o primeiro Papa Pop.
Na Argentina, Jorge Bergoglio era conhecido como conservador, acusado de ser omisso durante a ditadura e combateu a lei que autorizava o casamento gay. Tudo isso ofusca, mas não apaga sua atuação como combatente do capitalismo selvagem desde sempre.
Em 2013, o poder da mudança subiu à cabeça de Francisco, deixando aquele Jorge Bergoglio pra trás. O poder trouxe mais leveza, compaixão e acolhimento.
Diferente de Jorge, Francisco é considerado progressista pelos padrões criados pela própria igreja católica, em função dos posicionamentos que nada deveriam ter de controversos, como defender a paz, combater a injustiça social, viver com humildade e proximidade com a vida real através do acolhimento às diferenças.
Talvez por isso começou a ser chamado de comunista, defensor de bandido, sendo muitas vezes xingado pelos defensores do faça o que eu finjo que faço, e não o que eu faço.
Mesmo sendo Papa – título criado e eternizado por seres humanos -, era ele próprio um homem, com todas as paixões, como ser torcedor do time de futebol San Lorenzo, incoerências e gafes, como quando num ataque sincericida antiprotocolar, disse que já existia bichice demais no mundo.
De sua humanidade, o melhor era a empatia, o pé na realidade e o bom humor. Disse uma vez que os brasileiros não têm salvação, pois é muita cachaça e pouca oração. Nos chamou também de ladrões, por roubarmos seu coração. Cantou “Cachaça não é água”, falando do Brasil. Afirmou que o Papa era argentino, mas Deus brasileiro.
Não gosto de igrejas, dogmas, religiões, especialmente pelo papel de poder e exploração que muitas vezes representam, mas não posso negar a importância da fé e do papel social que alguns de seus representantes, como o Padre Júlio Lancellotti, Frei Betto, Pastor Henrique Vieira e outros, têm. Esse papel Francisco também desempenhou, mesmo tendo que lutar contra uma instituição protecionista para isso.
Pop, bem-humorado e de grande coração, comprou brigas por tentar a ainda que tardia e modesta evolução da igreja católica com o único objetivo de amenizar o sofrimento humano. Enquanto o mundo segue em marcha ré, com certeza é uma voz que vai fazer falta.
“Que o ódio e a mentira deem lugar ao amor e à verdade.” Francisco, 2013.
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Foto da Capa: Ilustração de Iotti / Cedida