Esses dias estive procurando um podcast diferente daqueles que costumo escutar sobre política, literatura, psicanálise… Eu queria me atualizar, ouvir algo mais em voga, queria estar perto de algumas das vozes que tenho visto ganharem relevância neste crescente mundo dos podcasts. Para começar, fiz algumas tentativas com aqueles programas que apareciam como sugeridos no Spotify.
Não tive paciência para aguentar nem cinco minutos do primeiro em que dei play. Logo após a vinheta de abertura, a apresentadora soltou um dos – logo entendi – seus bordões e um som esquisito subiu ao fundo, como um matraca ou um apito estridente. Pouco depois, ela falou sobre uma travessura que seu filho vez. Sempre que ela falava o que ele tinha dito, a edição do podcast produzia o efeito de uma voz infantil estilizada, quase imbecilizante. Será que aquela criança gostaria de ter sido exposta desta forma? De ter servido como “escada”, como se diz na comédia, como este personagem no qual se monta a piada?
Achei que tinha dado azar e fui escutar um outro programa.
Nesta segunda tentativa, um grupo de mulheres falava sobre os “perrengues” da maternidade. Sendo elas pessoas bastante conhecidas nos seus meios, diziam-se cheias de afazeres e compromissos. Em poucos minutos, a mesma coisa: a cada vez que uma das participantes falava uma frase de efeito, surgia uma claque sonora com o som de um vidro estilhaçando. Também desisti e, no fim das contas, voltei a escutar o meu Foro de Teresina de toda sexta-feira.
O que mais me chamou a atenção nesta busca foi ter percebido que estes podcasts não eram sugeridos como programas de comédia, mas de comportamento, política, sociedade… Também fez questão para mim o fato de os apresentadores serem pessoas supostamente já adultos, provavelmente em torno dos seus trinta, quarenta anos.
Me senti um grande chato. Será que eu tinha perdido a capacidade de apreciar diálogos leves, divertidos, descompromissados? Será que não seria só eu me havendo com o meu contumaz incômodo com a banalidade dos “famosos” na internet, um incômodo que por vezes, admito, vira até uma certa implicância? Provavelmente, sim, tudo isso.
Mas também quero pensar estes aspectos dentro de um contexto mais amplo, porque penso que eles são parte de um movimento que parece ter tomado conta do discurso social dos últimos tempos: a transformação de qualquer pessoa com alguma relevância em entertainer, em indivíduos que produzem uma caricatura de si tão adaptada ao que o público espera que acabam tornando a própria vida uma espécie de stand-up show.
Com certeza existem centenas de outros programas que não são tingidos por esta marca da infantilização do discurso, mas acho que cabe pensarmos por que são justamente estes os podcasts que acabam ganhando maior relevância e sendo sugeridos pela maior plataforma de streaming que temos.
Em outras palavras, o problema não é que estas figuras existam, mas que nós sigamos batendo palmas para eles contarem a próxima piada.
É claro que um tanto de evasão do mundo é necessário, especialmente neste momento do país em que vivemos. Mas o meu ponto é o quanto este discurso do entretenimento acaba transbordando dos palcos – físicos ou digitais – e acaba contaminando outros setores que, bem, que deveriam levar a realidade mais a sério.
Lembro de uma noite, há alguns anos, que estranhei a manchete principal de um site de notícias bastante importante: “Veja os memes das últimas notícias”. Ali, neste formato mínimo que faz fronteira com a simplificação e a imbecilidade, estavam passados os principais fatos do dia: um arroubo autoritário do presidente, um incêndio de grandes proporções, um assassinato a sangue frio. Tudo virou meme, tudo perdeu a sua densidade de realidade. Quando todo discurso se torna apenas uma caricatura de si mesmo, a complexidade dos temas se desfaz em frases de efeito e tuítes para caberem em 280 caracteres.
Esta lógica infantilizante também parece estar tomando espaço na vida cotidiana: já escutei algumas pessoas, também supostamente adultas, justificarem seu comportamento impulsivo com a frase “fiz pelo meme”. Demorei um pouco pra entender quando escutei isso pela primeira vez. Mas era exatamente isso: fazer pelo meme é uma forma de desresponsabilizar-se pelos seus atos e fazer de todos em volta uma plateia talvez nem tão simpática assim ao show. É um modo de se relacionar com a vida como se ela fosse um palco em que se precisa encenar um roteiro que chame a atenção – mas aí nada vira história, e sim farsas episódicas.
Veja bem, leitor: gosto de memes bobos. Rio com eles e me divirto. Mas acho que, como sociedade, estamos confundindo os assuntos que podem ser memeficados e os que não. Em tempos em que temos a nossa democracia ameaçada e assistimos a pessoas comendo ossos, acredito que nos cairia bem sermos um pouco mais sérios.
E claro, não sou ingênuo a ponto de pensar que isso é algo só da nossa época. Todos nós sempre precisamos, de uma forma ou outra, performar um papel para sermos aceitos, amados e respeitados pela sociedade. Sempre fomos mais ou menos modulados pelo olhar amoroso do outro e, com isso, precisamos vestir uma fantasia mais palatável ao gosto do público. Faz parte da circulação pelo laço social uma certa hipocrisia, uma inscrição no mundo através de uma personagem na qual, no fundo, nós não acreditamos muito: o executivo de alto escalão que preferia estar surfando, mas tem que se mostrar poderoso, o galã sempre bem vestido que preferia estar de pijamas vendo seriado em casa, mas bate ponto no programa matinal da TV aberta, e assim vai.
Neste sentido, performar não é uma forma de mentir, mas de encontrar uma imagem que seja melhor aceita pelos outros. E isso faz parte de nós.
Mas existem assuntos que desvelam a nossa real face, que entregam a nós mesmos aquele rosto por detrás da máscara, aquele olhar da realidade que nos convoca a levarmos o mundo a sério e tomarmos partido de forma ética. Quando nos vemos frente a esta injunção do mundo, só podemos responder a partir de nossa história e do mínimo de narrativa que nos dá consistência. Em outros termos: quando a realidade bate na campainha, só nos resta atender à porta com a roupa que usamos em casa.
Se seguirmos performando a vida pelo meme, famintos pelos likes – esta forma contemporânea do aplauso – depois não poderemos nos queixar se mais uma vez não ouvirmos as pessoas sérias e conduzirmos o bobo da corte sanguinário novamente à cadeira presidencial.