E já começam no primeiro dia, aquele que celebra o trabalho. Em seguida temos o dia 13, o da abolição da escravatura que, na verdade, não foi uma libertação e sim um jogar a mão de obra subjugada ao “deus dará”, sem direitos, “sem eira nem beira”, como diz a expressão portuguesa. Hoje a luta dos negros pela liberdade é comemorada em 20 de novembro, o Dia da Consciência Negra, aniversário da morte de Zumbi dos Palmares. No segundo domingo do mês, comemora-se o Dia das Mães. E fico por aqui porque são muitas as datas com temas inquietantes que suscitam muitos questionamentos. As condições de trabalho, as desigualdades sociais, as distorções do mercado, o fazer diário das mulheres negras e brancas, mães ou não, o meio em que são criadas, as formas de vida, o sexismo, as desigualdades sociais, o machismo, a misoginia, a discriminação racial, as oportunidades restritas, os preconceitos de toda ordem que não cessam e não reconhecem a nossa diversidade tão rica e tão cerceada.
Retomo este assunto que me faz transpirar desde muito jovem inspirada no artigo publicado na Sler no dia 3 de maio – “Mulheres Negras e Mercado de Trabalho – A importância da valorização da diversidade e os avanços na construção de um cuidado comprometido com a superação de desigualdades”, assinado por Gisele Cristina Tertuliano, enfermeira, cientista social, doutora em Saúde Coletiva, que integra a Odabá – Associação de Afroempreendedorismo.
Acontece que neste ano de 2023 minha transpiração extrapolou e fundiu-se com indignação porque o trabalho cotidiano revelou-se mais uma vez desumano. Como insisto em falar sobre diferença, inclusão e discriminação, não há como não pensar neste vasto universo do fazer humano. Seja onde for, é um fazer carregado de subjetividades, contradições, discursos e interlocuções, que podem surgir a qualquer momento, inesperadas, provocadas ou não. Minha escrita não é nova, acho que é até redundante, mas vejo como necessária nestes tempos contaminados em que já registramos episódios lamentáveis no campo do trabalho, como o que aconteceu na Serra Gaúcha e em outras regiões. Impossível não voltar às pesquisas sobre linguagem e trabalho, com o foco no fazer humano, dos franceses Yves Schwartz, filósofo, e Pierre Trinquet, sociólogo, que minha irmã Marlene Teixeira, linguista, estudava com muita paixão.
A vida é sempre uma tentativa de criar e de ser, que soma o individual ao coletivo
Então, repito: por mais mecânica que seja não há na atividade de trabalho uma simples execução de algo. Há seres humanos. Indivíduos singulares com capacidades singulares, que podem ser bem mais amplas do que as exigidas pela tarefa que executam. Ou não! E a cada jornada pode surgir uma situação nova, não planejada. Cada pessoa, espontaneamente, coloca na atividade que executa um dado subjetivo, um saber único que vem da sua história e das experiências de vida. Portanto, o exercício profissional é alimentado pela subjetividade, pelas escolhas, pelas ideias, conhecimentos práticos, valores e dramas interiores de cada um. As normas criadas para regular o agir em sociedade são essenciais, não há dúvidas, mas não eliminam a maneira com que cada pessoa dá conta do seu saber e do seu fazer. Sempre vão aparecer pontos de fuga oriundos de vivências não explícitas. Ninguém é determinado só pelas imposições do meio exterior. Há sempre um saber-fazer objetivo, a norma, e um saber-agir subjetivo, renormalizado, que se somam e são mobilizados nas atividades, promovendo uma negociação entre o instituído e o inesperado. A vida é sempre uma tentativa de criar e de ser, que soma o individual ao coletivo.
Segundo Yves Schwartz, ao perceber o trabalho a partir de uma perspectiva humana, evita-se a coisificação das pessoas porque são elas com talento, respeito, vivências e saberes genuínos que promovem a diferença. O fazer repetido e mecânico, sem voz, não é a definição do que dá certo.