Algo na infância de Orípedes o deixava rapidamente doido de raiva. Era quando o tio Marcantonho vinha aos domingos visitá-los e fazia aquela brincadeira chata. Quando Orípedes vinha para a sala, ele dizia, fazendo gestos de quem não estava o enxergando, mas cadê o Orípedes? Não acredito que esse menino não esteja aqui! Orípedeeeees, cadê você? O garoto respondia baixinho, depois gritava, acenava na frente do rosto do irmão do pai. E nada. Tio Marcantonho ficava um tempão no fingimento. O final era sempre igual: Orípedes se debulhando, desesperado, em lágrimas.
Dia desses, Orípedes septuagenarizou. Nem se lembrava mais de certas dores de antigamente. Só que, assim do nada, a tal da bizarria do tio Marcantonho voltou. O setentão andava pelas partes e ninguém o via. Entrava em bares, farmácias, domicílios, bancos, cartórios, repartições e era como se não estivesse lá. Um velho invisível. Por si, já seria algo bem incômodo. Ainda mais se considerássemos o trauma do passado dele. Não demorou para que o sentimento se acirrasse.
Um uberista estava comendo seu pão na chapa numa calçada do centrão velho. Olhou para cima e viu o titã contra as nuvens. Era um senhor de idade, com uns 150 metros de altura, em pé, ao fundo da avenida. Trazia expressão angustiada e não se movia.
Começaram as apostas na padaria. Isso é coisa de propaganda. Vão lançar algum filme e estão projetando a imagem de um velho na cidade. Apesar do exótico, a rotina do pedaço não se alterava. Até o momento do grito. O brado retumbalhante de Orípedes bateu na rua e foi ecoar lá pelas barrancas de Perus. EU ESTOU AQUI! EI, EU ESTOU AQUI!
Cada bramido eram dezenas de vidraças espoucadas, cacos de telhas arcaicas despencando, asfalto rachado. Passado um tempo chegaram os tanques, helicópteros, e os dois caças supersônicos que restavam nos hangares da FAB.
Quando uma das aeronaves se aproximou do gigante Orípedes, ele urrou de novo. As poderosas ondas de som viraram o avião de ponta à cabeça, e o arremessaram a centenas de metros do teatro de guerra. O piloto felizmente teve tempo de se ejetar, caindo em frente à Biblioteca Mário de Andrade.
Em poucas horas, o local contava com uma romaria de populares. Os mais corajosos chegavam próximos aos pezões de Orípedes e faziam selfies. Um negociador do Itamaraty, após horas de entendimentos, conseguiu convencer o Monstro da Terceira Idade de que o Brasil tinha ciência de sua existência e o avistavam perfeitamente.
Orípedes então foi diminuindo o talhe. 150, 100, 50, 40, 20, até chegar a seu um metro de setenta e dois de altura. A Força Nacional foi se embora, a multidão sumiu, as apostas nas padarias voltaram a focar no futebol.
O ex-homenzarrão foi pegar seu ônibus de volta ao apartamento. Ao atravessar a alameda foi pinchado por um motoboy do Ifood. Faleceu antes de chegar às Clínicas. Na subdelegacia do Pacaembu, o motoqueiro deixou uma sucinta declaração: não enxergara o idoso.