Em fevereiro de 1942, o escritor austríaco Stefan Zweig e sua segunda esposa Lotte, davam fim às suas vidas em Petrópolis, quando souberam dos horrores que os Nazistas estavam praticando na Europa. A última novela de Zweig foi escrita no Brasil – O Jogador de Xadrez: uma curiosa novela em que o personagem principal – um campeão mundial de xadrez, Czentovic, dará seu lugar de protagonista a um outro, um obscuro passageiro que se encontra no navio (onde se passa a história) que faz a viagem de Nova Iorque para Buenos Aires. Czentovic, um arrogante enxadrista, aceita, para passar o tempo, jogar uma simultânea contra vários adversários e, no meio deles, encontra-se alguém que – embora não jogue há mais de vinte anos – “sopra” jogadas que forçarão o campeão a declarar um desmoralizante empate!
O narrador descobre numa longa conversa de convés com este estranho, tratar-se de um advogado austríaco que conseguira esconder dos Nazistas os bens de instituições religiosas e que, denunciado, é preso pela Gestapo em condições aterradoras: um quarto sem janelas, apenas com uma cama e a absoluta proibição de que qualquer pessoa lhe dirija a palavra. Meses de silêncio e isolamento, a perda das noções de tempo e espaço, morto em vida, um homem diante do nada, até que… é chamado para o primeiro interrogatório. Na espera, que durará várias horas antes de ser interrogado, descobre no casaco de um oficial, posto a secar, um livro! Rouba-o e descobre mais tarde, já em sua cela, tratar-se de um manual de xadrez repertoriando as mais importantes partidas dos dez maiores enxadristas mundiais. Em seu absoluto isolamento, refaz na imaginação cada partida, coloca-se no lugar dos adversários, joga contra si mesmo, imagina simultâneas, compreende as estratégias, as armadilhas, prevê lances futuros, tudo isto sem uma peça sequer de um tabuleiro real! Próximo à loucura, é libertado e… encontra-se, agora, a caminho da Argentina.
Zweig, autor de O Mundo de Ontem – uma elegia sobre a derrocada dos valores morais e intelectuais que forjaram a Europa até a Primeira Guerra – retoma nesta novela a crença que lhe foi cara (e para tantos intelectuais daquela Europa, especialmente daqueles que viveram aquela Viena finissecular): a de que poderíamos ser salvos pelos livros e pelos padrões elevados da cultura. Há, hoje, algum livro que poderia nos salvar da barbárie já a caminho? Pessoas religiosas diriam que sim; nossos materialistas também acham que há livros que podem salvar o Mundo. Mas, numa sociedade tão altamente secularizada como a nossa, que destruiu o Inferno e não crê nas vantagens do Céu, penso que perdemos a noção da importância dos valores transcendentes que a cultura proporciona, aquilo que Julien Benda já advertira no seu “La trahison des clercs” (1928). De qualquer forma (e isto Zweig já sabia!), dos dois, o mais fácil de ser reconstruído é o Inferno!
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Foto da Capa: Stefan Zweig / Reprodução