A expressão “o novo normal” foi popularizada na pandemia. A cada nova situação inédita, jamais vivida antes, éramos resignadamente aconselhados a nos acostumar com o que chamavam “o novo normal”. Fatos antes tido como extraordinários eram tratados como se fossem rotineiros porque, diziam por aí, passariam a ser rotineiros. Essa semana, quando as águas afogaram boa parte do Rio Grande do Sul, destruindo casas, sonhos e vidas, voltou-se a usar a expressão.
De fato, estamos diante de um “novo normal”. Como sintetizou Tasso Azevedo, especialista em mudanças climáticas e coordenador do MapBiomas Brasil, “o que estamos vendo no estado (do Rio Grande do Sul) é um evento extremo que sinaliza uma mudança para o novo normal. O que era considerado um evento extremo décadas atrás está se tornando o habitual, e os novos eventos extremos estão se tornando muito mais intensos.”
Essa é a descrição exata do que estamos assistindo aqui. A maior enchente da história, com o nível do Guaíba, em Porto Alegre, marcando históricos 5,3 m e avançando sobre o Centro Histórico, zona Sul e Norte da cidade. A maior inundação havia sido a histórica enchente de 1941 que deixou mais de ¼ da capital gaúcha debaixo d’água, marcando 4,71 m. Explicando: a partir de 3 metros é considerado como inundação. Desde aquela data, há mais de 80 anos, o Guaíba só transbordou em 1967. Mas, desde setembro de 2023, esse é o terceiro transbordamento em menos de um ano (setembro e novembro de 2023 e maio de 2024). Isso sem contar os vários ciclones extratropicais que viraram rotina trazendo ainda mais destruição para os gaúchos, nas cidades do Vale do Taquari, como Encantado e Arroio do Meio, que acumulam 2 ou 3 ciclos de destruição desde março do ano passado. Quantas vezes alguém pode ver a vida submersa e destruída?
Especialistas consideram que as maiores causas para isso são as mudanças climáticas, o El Niño e as mudanças de uso do solo. Com relação às mudanças do clima, entra em ação um velho conhecido da pandemia: o negacionismo científico. Mesmo diante do consenso dos cientistas, ainda há políticos e pessoas catadas a dedo no meio acadêmico, que são alçadas à fama para negar o óbvio. E dá-lhe teoria da conspiração que, assim como em relação com o COVID, tem seu custo expresso em vidas. Vídeos da Internet mostram um meteorologista indo à Câmara “denunciar” as previsões alarmistas sobre os efeitos do El Niño, o fenômeno de aquecimento das águas oceânicas que altera as condições climáticas.
As mudanças do uso da solo mencionadas por Azevedo são a destruição dos mangues e banhados, das encostas, a destruição das matas ciliares (situadas nas margens dos rios) e a ocupação e exploração econômica que chega até a beira dos leitos d’água vão destruindo a proteção natural que contém as forças das águas. Como alerta o engenheiro florestal, “a cada nova exceção criada na legislação de proteção das matas ciliares, dos biomas e no licenciamento ambiental, reduz-se a resiliência e aumenta-se a vulnerabilidade da população a eventos extremos, que estão se tornando cada vez mais frequentes e intensos.”
Os estados do Sul estão em processo de desmonte de órgãos e legislação ambiental, que não são vistos como órgãos ou normas que preservam o bem comum, mas como entraves à atividade econômica e ao desenvolvimento. E dá-lhe reduzir a proteção legal de áreas que preservam ecossistemas e vidas como se não houvesse amanhã. Especialistas denunciam também o desmonte dos órgãos responsáveis pela prevenção a enchentes em Porto Alegre e a falta de manutenção dos equipamentos.
Uma árdua tarefa nos espera: a construção de um novo Rio Grande do Sul que previna e se prepare para eventos climáticos extremos. Mas, antes, a missão é salvar vidas, dar abrigo e esperança a quem precisa. E não são poucos.
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Foto da Capa: Gilvan Rocha / Agência Brasil
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