Lá ia eu caminhando entre as barracas da Feira do Livro de Porto Alegre com meu saco de pipocas. Um detalhe: pedi meio a meio, com a doce embaixo e a salgada em cima. Entrei no Museu de Artes do Rio Grande do Sul, que fica na mesma praça em que acontecesse a nossa feira, a Praça da Alfândega.
Nessa época, coincide com o período da festa dos livros a Bienal do Mercosul. Entrei no museu e fui passando de sala em sala pra ver as obras da Bienal.
Recebemos as artes pelos sentidos. A música se vale da nossa audição. A poesia escrita chama o nosso olhar, mas também os nossos ouvidos para acompanhar os ritmos, as rimas, as repetições de letras. O cinema invade nossos olhos na sala escura, ao mesmo tempo em que a trilha aguça a nossa audição. A escultura pede que a circulemos, exercitando nossa visão em trezentos e sessenta graus. Nosso tato é chamado a tocar, mesmo que haja às vezes um aviso para não se aproximar.
O paladar e o olfato não costumam ser afetados pela maioria das obras de arte. A não ser numa narrativa, num conto, num romance, mas são tratados mais como sugestão, como memória.
Nas obras da Bienal, no MARGS, a grande maioria chamava o meu olhar: cores, traços, luzes e até mesmo palavras tomando conta de paredes inteiras. Em outras salas, projeções de imagens em movimento, acompanhadas de trilhas e falas. O som em algumas delas chegava antes e nos atraía para ver de onde ele saía. O som nos levava até a imagem numa sala escura, como num minicinema. Pessoas sentadas em pequenos sofás acompanhando a obra audiovisual. O tato também é provocado tanto por esculturas quanto por volumes que se descolam das molduras de quadros.
No meio disso tudo, uma obra me chamou pelo cheiro. O meu olfato que passava adormecido pela exposição foi então convidado para a experiência artística.
Trata-se uma sala com várias peças, chamaria eu de esculturas, feitas com macela. Sim, aquela erva com que se faz chá para combater problemas digestivos. Desde a infância, aparece na minha vida a macela com seu cheiro característico. A genialidade dessa obra exposta é colocar esse cheiro num ambiente em que jamais sonharíamos encontrá-lo. E, quando o percebemos lá no museu, o cheiro complementa todo o sentido do que estamos vendo.
Já disse uma vez o escritor francês Roland Barthes que o significado da obra de arte é a experiência. Isso porque as artes se constroem de vários elementos, como cores, ritmos, sons, que foram feitos para serem vivenciados e que são irredutíveis a um outro discurso. Essa obra com macela é um exemplo eloquente do que disse Barthes.