Nessa semana em que amanhecemos chocados sobre a morte do Papa Francisco, ofereço este espaço para Cristiane Moro, uma das facilitadoras que conduz em Porto Alegre o Death Café, projeto mundial que gera conversas sobre morte e finitude com leveza.
“Com o falecimento de uma figura tão importante para o cenário mundial, que tinha atuação nos âmbitos espiritual, social, econômico, físico do mundo, as pessoas encaram de frente a finitude da vida, as suas vulnerabilidades, especulam sobre idade, doenças prováveis… causas que possam justificar aquele fim do ciclo vital de todos os seres vivos: a morte. Uma das principais curiosidades é se a pessoa sentiu algo, passou por momentos difíceis, se tinha alguém ao lado, se foi socorrida. Hoje as redes sociais e seus comentários em posts estão recheadas destas curiosidades, pois uma das preocupações de todo ser humano é ser cuidado até o último momento de sua vida e evitar o sofrimento. As notícias nos mostram que o Papa Francisco recebeu todos os cuidados necessários para as suas questões físicas, espirituais, sociais, emocionais, os Cuidados Paliativos. A origem da palavra paliativo vem do latim pallium, que significa manto, proteção, o que pode ser entendido na área dos cuidados em saúde como cuidar, aliviar. Os Cuidados Paliativos têm como escopo principal aliviar ou diminuir o sofrimento das pessoas que estão gravemente doentes. Cuidados Paliativos estão na ciência do cuidar e na atitude de cuidar, atendem às necessidades dos indivíduos na sua integralidade de ser.
Papa Francisco foi um religioso, se preparou para seu cargo, o exerceu com maestria, deixando um legado de admiração entre os católicos e os não católicos, isto é raro num mundo em que as críticas e haters estão nas palmas das nossas mãos.
Ele se preocupou com os imigrantes pelo mundo, defendeu o direito de as pessoas irem e virem e, onde quer que estivessem, que fossem olhadas pelos seres que são, e jamais pudessem ser diferenciadas por credo, raça, cor… afirmou sempre que todos têm o direito de viver, serem acolhidos, alimentados, aliviadas as suas dores onde quer que estejam no mundo. Questões sociais foram as suas causas primordiais.
Quando falava nos direitos das mulheres, uma das suas causas recorrentes, tratou de famílias não convencionais, onde as mães solo são a maioria em muitas sociedades do mundo, sobre as mães solteiras que foram um tabu até bem pouco tempo atrás. Ele respondeu que a intimidade das pessoas não era um problema seu, e que fossem garantidas as condições para que estas mães criassem seus filhos com dignidade e, quando pudessem, constituíssem uma família formal para garantir a formação integral da criança, que para o catolicismo a família constituída por pai, mãe e filhos é um pilar de valor fundamental. Da mesma forma, defendia o direito e a dignidade das pessoas homossexuais. A escuta e a compaixão na prática.
Uma certa vez, enquanto discursava, uma criança com espectro autista não verbal subiu ao palco e corria, brincava ao seu redor e, no final, o Papa lhe deu o solidéu, o qual o menino estava encantado e disse a todos presentes que o menino era indisciplinadamente livre, assim como todos nós diante de Deus. Para o Papa, exercer a liberdade era garantia da busca pela dignidade. Quando nos estimula o exercício da liberdade, nos leva ao caminho do autoconhecimento, onde podemos fazer escolhas que estejam em consonância com as nossas verdades, até o fim da vida.
Francisco, como seu nome conduz ao homem do sol e da lua, defendeu a natureza, a não exploração obsessiva dos recursos naturais do nosso Planeta, trazendo à consciência que somos parte desta macro natureza. A sua paixão pelos animais, a todos os seres em relação de igualdade e cuidado, nos mostrou o equilíbrio da convivência nas diferentes classes de vida: Igualdade na prática.
Ao abordar a educação para os jovens, sua faixa etária de grande atenção, salientou que ao educar devemos utilizar a tríade cabeça, coração e mãos para construir uma personalidade sólida e o ser esteja nesta consonância: Eu penso, falo e ajo em sintonia com o que sou. Certa vez disse que a educação não é neutra: ou ela eleva a pessoa ou a diminui, ou é positiva ou negativa. Afirmava sempre a importância de ir para o ambiente escolar, e não ficar em frente às telas, pois o ser humano necessita encontrar-se, conviver, amar fisicamente, andar junto dos seus semelhantes. Se isto não é preservar a nossa espécie em harmonia!
Numa entrevista, quando falou sobre os doentes terminais, ele deixou bem claro a diferença entre incurável e incuidável, onde defendeu o direito ao acompanhamento médico, psicológico, espiritual e, acima de tudo, o acompanhamento humano para os enfermos. Falou da humanidade de acompanhamento dos Cuidados Paliativos nos apoios físicos, espirituais, sociais, pois é um direito de todo e qualquer cidadão no mundo. Todo ser vivo merece e tem o direito de ser cuidado!
Papa Francisco estimulou as pessoas a falarem com o coração e não somente com palavras saindo através da boca, incentivou sempre, como bom latino-americano, a alegria e o bom humor como um fator de humanização nas relações e citou uma oração de Santo Tomás More que fazia há mais de quarenta anos para manter sempre bom humor (deixarei no final do texto).
Mas seu maior traço foi acreditar na Paz e afirmar sempre que ninguém nasceu para matar. Foi acreditar no valor das pessoas não pelo seu trabalho, ou pelo seu dinheiro; sua medida era diferente, procurava o valor do ser humano pela capacidade de SER humano que ela tinha o potencial de ser. Independente da religião, ele acolheu quem pôde, fez aproximações jamais vistas entre líderes religiosos do mundo. Espiritualidade na prática.
Fazendo estas reflexões acerca de alguns aspectos desta vida de oitenta e oito anos, que levantou questões de proteção social, física, emocional, espiritual para todas as nações, num mundo tão adoecido cronicamente e em alguns aspectos parecendo incuráveis, o Papa Francisco nos mostrou na prática o cuidado amoroso, integral, respeitoso, digno e nos escutando sempre, com esperança de nos deixar sempre melhores e nos dando a oportunidade e esperança pela vida. Sim, Papa Francisco foi um grande Paliativista na prática para com todos nós. Estivemos doze anos sob este Pallium que, de tão delicado, respeitoso e digno, nem nos demos conta. Assim são os Cuidados Paliativos que todos temos o direito de receber.”
Oração do bom humor de São Tomás More
Senhor, dai-me uma boa digestão,
mas também algo para digerir.
Concede-me a saúde do corpo,
com o bom humor necessário para mantê-la.
Dai-me, Senhor, uma alma simples,
que saiba aproveitar tudo o que é bom e puro
para que não se assuste diante do pecado,
mas encontre o modo de colocar de novo as coisas em ordem.
Concede-me uma alma que não conheça o tédio,
as murmurações, suspiros e lamentos,
e não permitais que eu sofra excessivamente
por esse ser tão dominante que chama “Eu”.
Dai-me, Senhor, senso de humor!
Concede-me a graça de compreender as piadas,
para que conheça na vida um pouco de alegria
e possa comunicá-la aos demais.
Amém!
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Foto da Capa: Gerada por IA.