Deve haver paradoxos maiores, mas este se passa comigo. Por isso, ao senti-lo, considero o maior entre todos. Há dois gêneros que eu mais escrevo. O primeiro é a poesia e o adjetivo “primeiro” cai bem. Foi ali que as letras vivas começaram. E não só elas terminariam sem ela; a vida, também. Poesia, a primeira a entrar e a última a sair, com a anuência do próprio Freud, lá quando comparou o poeta com uma criança que brinca. Fez sentido, embora escrever poesia esteja longe de ser uma brincadeira. Trata-se do gênero que mais me dá trabalho, solicitando de um tudo das entranhas de meus pensamentos, de minhas leituras, de minhas vivências, de minhas tentativas e sentimentos a ponto de cada poema ser um parto e parecer um milagre. A um só tempo, a poesia me esgota e me relança.
Não posso dizer que escrever ensaios seja fácil. Nada do que se vive ou tenta representar o que se vive é fácil. Precisa, sim, estudar e trabalhar de um muito, revisar e refazer de outro tanto, mas não se compara com a trabalheira hercúlea da poesia. Se vem da entranha, a entranha aqui entrega mais redondo, com uma prosa que vai contando o que vivo diariamente em meu trabalho de analista. Vivo, sinto, penso, anoto. Tem rearranjo, tem tranqueira, mas parece mais natural e menos custoso, inclusive para o corpo. Contraturas e artroses vêm da poesia.
Aí chegamos aos desdobramentos dos dois gêneros para adentrar o paradoxo maior. A difícil poesia costuma encontrar o muxoxo dos editores e, quando o supera até chegar à casa do livro, encontra morada em poucos leitores. Quase não é chamada para eventos e, nas exceções em que comparece resfolegante, encontra meia dúzia de gatos pingados, em geral poetas pálidos como eu. Já os ensaios vêm topando com edições de suficiente gabarito, com eventos variados e, sobretudo, um número razoável de leitores. Nunca entendi bem essa disparidade e seu paradoxo. Tanto trabalho para tão pouco. Menos trabalho para mais recepção. Às vezes, em busca de consolo, lembro-me de Marguerite Duras garantindo que os poucos filmes sem público são aqueles que vão ficar, ao contrário dos concorridos blockbusters. O consolo pouco dura, ainda mais agora que a imortalidade não passa para mim de uma ilusão rindo e chorando de si mesma.
Falando em morrer, parece que se encontra aqui o equilíbrio do paradoxo maior. Afinal, eu poderia deixar de contar em prosa o meu trabalho, durante o tempo que ainda me cabe viver. Porém, se tivesse de abandonar o frêmito custoso e ritmado a que chamamos poesia, a vida terminava nessa hora. Pouco importa que poucos compareçam ao espetáculo do verso. Ele existe para que o seu autor continue vivo, e nenhum sucesso poderia ser maior do que esse.
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Foto da Capa: Gerada por IA.