Logo que a gente conhece uma pessoa, uma das primeiras coisas que observamos é a idade dela. No Brasil, e no mundo em geral, quando se é jovem ou quando se confere as características de jovialidade a alguém, a pessoa recebe um melhor tratamento. E todos, todas e todes queremos ser bem tratados e acolhidos, concorda? Então, onde está o problema nisso?
Capacidade não depende da idade nem de limitações físicas.
Idade nem sempre é exemplo de acúmulo de sabedoria, afinal nem todos ficam mais maduros com o passar do tempo. No entanto, é sabido que o tempo de vida nos oferece mais quilometragem ao ponto de já termos tido a oportunidade de nos experimentar e ter muitas vivências diferentes, nos relacionar com gente dos mais variados tipos. Toda essa bagagem que possuímos, oferece uma capacidade que ainda não é percebida pela sociedade em geral. Porém, há exemplos claros dela.
O matemático francês Michel Talagrand, 72 anos, recebeu este ano o Prêmio Abel de 2024, muitas vezes considerado o “Nobel da Matemática”. Talagrand foi laureado por seus trabalhos em aleatoriedade. Stephen Hawking, um dos maiores cientistas de todos os tempos e o responsável por grande parte das maiores descobertas relacionadas à astrofísica moderna, teve diagnostica Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), uma doença neurológica e degenerativa que atinge os neurônios motores, promovendo a atrofia dos músculos, aos 21 anos. Naquela ocasião os médicos lhe deram dois anos de expectativa de vida e ele viveu até os 76 anos, quando constitui família, produziu suas teorias, deu aulas, casou, descasou, casou novamente, escreveu 15 livros. Em suas últimas publicações, sentado em uma cadeira de rodas, o físico usava o movimento do queixo para digitar, em média, uma palavra por minuto.
Ser jovem não nos faz mais feliz
Existe um percurso na vida: a gente nasce, vive a infância, adolescência, juventude, fase adulta, a velhice e morre. Nem sempre esse ciclo se completa, pois infelizmente há pessoas que morrem antes de chegar na velhice. Então, quem chega até ela pode se considerar uma pessoa sortuda. Aqui, na vivência da velhice, poderá enxergar o fruto de uma vida, talvez acompanhar seus filhos e netos crescidos, construir novos projetos profissionais, dedicar-se a hobbies, viajar, reunir-se com amigos, criar novos círculos de amizades, estudar, ser voluntário em trabalhos sociais… com a revolução da longevidade a velhice se tornou a fase mais longa da vida!
No dia a dia o que a gente percebe é diferente disso. Nas prateleiras encontramos montes de produtos “antissinais”, “antiaging”, “pró-aging”, “rejuvenescedores” … Nos anúncios muitas vezes enxergamos pessoas 60+ aparentando ter muito menos do que isso e num padrão de magreza que faria os de 20 anos ficarem com inveja. E assim, se a gente não questiona, não para e pensa, vamos fortalecendo crenças e uma mentalidade que desde criança foi construída em nós: a de que é necessário nos encaixar e a de que o único padrão de beleza possível é aquele que remete à juventude. Atingida essa meta, seremos felizes para sempre! Mas lembra que é pra frente que se anda… não existe rejuvenescimento. Essa tal meta de juventude eterna é certeza de fracasso e frustração. Por isso, seria muito melhor se aprendêssemos a ser feliz lidando com a velhice, vislumbrando que ela pode ser sinônimo de potencialidade, vitalidade, alegria, aprendizado e realização de projetos, mesmo com limitações.
Gostaria de conversar sobre o Idadismo
Quando a idade é utilizada para categorizar as pessoas de maneira a causar danos, humilhações e injustiças a gente identifica a ocorrência do Idadismo ou Etarismo ou Ageísmo (são palavras sinônimas). Jovens são alvo de etarismo ao duvidam das suas capacidades quando recém-formados, por exemplo. Porém, com o envelhecimento, as pessoas são mais vulneráveis ao ageísmo em diversas áreas das suas vidas: em menores oportunidades de trabalho, na inadequação de produtos, serviços e no atendimento para as faixas etárias mais velhas, por estereótipos de que são mais doentes, lentas, ranzinzas, esquecidas e atrapalhadas. Assim, o idadismo está presente nas pessoas, com relação a si mesmas, nas relações entre elas, e na sociedade em geral. Mas, enxergando sob as lentes da linguagem, perceba que quando usamos determinadas palavras, expressões ou frases, somos idadistas e sequer percebemos, deixando transparecer crenças e mentalidades preconceituosas adquiridas em tempos idos.
Veja os exemplos dessas frases etaristas utilizadas corriqueiramente, às vezes, até, como elogios:
Nem parece a idade que tem! Você está ótima/o!
No geral usamos essas frases quando estamos surpresos ou mesmo quando queremos elogiar a boa aparência de alguém. Por que é uma frase idadista? Porque a expectativa é de que com o envelhecer a pessoa esteja cheia de rugas, frágil e “acabada”. No Brasil, país campeão mundial de cirurgias plásticas (e aqui não me refiro às corretivas), essa frase também remete à uma supervalorização e uma conexão entre juventude e beleza. Assim, é importante lembrar que a velhice é um processo heterogêneo, não é igual para todos, depende de muitas camadas, desde a econômica, social, de gênero, raça, entre outros aspectos, e suas transversalidades. Além disso, o belo não está ligado apenas a juventude/jovialidade, mas a um conjunto de características de algo ou alguém, e por isso não é adequado ser reforçado esse aspecto fugaz do ciclo de vida.
Ih, estou ficando velho/a! Não sei onde coloquei a chave do carro/da casa/do escritório!
Traz a ideia de que só pessoas idosas são esquecidas, quando na realidade o esquecimento ocorre em pessoas de qualquer idade, especialmente em períodos de estresse e falta de atenção.
Você ainda trabalha / estuda / dirige / dança / sai à noite…?
A gente usa muito essa frase querendo elogiar uma pessoa mais velha, sem perceber que a palavra “ainda” parte da ideia preconcebida de que essa pessoa não teria mais condições de exercer com autonomia o que desejar. Assim, quem sabe, sugerindo que essa pessoa tenha que renunciar àquela atividade.
Essas são apenas algumas frases que demonstram o quanto o idadismo está escondido na nossa linguagem cotidiana. Como você sentiu quando teve contato com essas frases? Você já foi “vítima” de alguma? Conhecia o sentido idadista delas? Conhece outras, quais?
Conforme apontado no Relatório Mundial de idadismo, estudos da Organização Mundial da Saúde – OMS apontam que uma em cada duas pessoas no mundo é considerada idadista e que o etarismo pode encurtar a vida em até 7,5 anos. A maior parte da população brasileira já tem mais de 30 anos. O Brasil possui mais de 36mi de brasileiros com mais de 60 anos. No Rio Grande do Sul temos uma população de 60+ maior do que a de crianças e adolescentes de 14 anos. Porto Alegre está entre as capitais com o maior número de idosos do país. Ou seja, ainda que não se perceba e o idadismo seja invisibilizado na sociedade, é preciso trazê-lo à consciência e começar a combatê-lo dado seus grandes prejuízos, em nível pessoal e institucional. Como sociedade, a educação é uma grande ferramenta! Nas escolas, do ensino fundamental ao médio, do técnico até a graduação!
Para você, fica meu convite: compreenda a quantas anda seu idadismo para que possa viver consigo próprio e com as pessoas ao redor em paz com relação a idade.
*As frases e expressões deste texto fazem parte do 1º Glossário Coletivo de Enfrentamento ao Idadismo de Palavras, Expressões e Frases, realizado pela Consultoria Longevida e parceiros em 2021, e que faz parte da Campanha Lugar de Pessoa Idosa É Onde Ela Quiser. Baixe ele gratuitamente aqui.
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Foto da Capa: Ilustração gerada em Pikaso