Eu tinha como certo que o tema da semana seria a reeleição dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado da República, com Artur Lira e Rodrigo Pacheco. Mas como dizia minha avó, “alto lá que um valor maior se alevanta”. O valor maior foi a denúncia do Senador Marcos do Val (Podemos-ES), em mensagens obtidas pela revista Veja, mostram o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) apresentando a aliados, após a derrota no segundo turno, um plano para tentar prender o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Alexandre de Moraes, e impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva.
Na quinta-feira (2), a Polícia Federal colheu depoimento de do Val sobre o caso, no qual ele reforçou a participação de Silveira e tentou afastar Bolsonaro. Do Val tem 51 anos e foi eleito senador pelo Espírito Santo em 2018, com atuação alinhada ao bolsonarismo. Ele chegou a informar em sua conta no Instagram que iria renunciar ao cargo no Senado, mas depois desistiu. A série de revelações aconteceu após do Val ser acusado de ter traído o candidato bolsonarista à presidência do Senado, Rogério Marinho (PL-RN), que acabou derrotado por Rodrigo Pacheco (PSD-MG) nesta quarta-feira (1º).
Há quem questione a credibilidade, eventual mitomania e até o estado emocional para descredibilizar o depoimento. Do Val mudou de versão e se contradisse sobre datas e locais ao longo do dia, não distinguindo entre Palácio do Planalto, da Alvorada ou o do Jaburu. O senador afirma que o ex-deputado federal Daniel Silveira o teria chamado para participar de um complô para atingir o ministro do Supremo Alexandre de Moraes. Em dois dias, o parlamentar fabricou ao menos cinco versões diferentes de suposto plano. Agora, direciona suas acusações e tenta levantar suspeitas sobre o ministro Alexandre de Moraes.
A denúncia do senador Marcos do Val escancara aquilo que é dito com meias palavras por políticos que tiveram acesso ao então presidente recluso no Palácio da Alvorada após sua derrota. Imperava naquele ambiente uma mentalidade de bunker. Podia ser algo “meio Tabajara”, como brincou um ministro do Supremo, dado a “tosquice” de procedimentos e a falta de cuidados relatados, mas era real. O complô está materializado em áudios e prints de mensagens mostrada pela Revista Veja
O plano envolveria o senador do Val que, em transmissão pela Internet, acusou Bolsonaro de pressioná-lo a integrar uma trama para depor o presidente eleito. Ele adiantou que a revista Veja da semana revelaria “uma bomba”. Outro envolvido é o ex-deputado Daniel Silveira, que foi preso no primeiro dia em que perdeu sua imunidade parlamentar, por ordem do STF.
Segundo as mensagens mostradas aos jornalistas, o plano de Bolsonaro consistia em mandá-lo se reunir com Moraes, com um gravador escondido, e tirar dele alguma declaração que pudesse indicar interferência do TSE no resultado do pleito, o que embasaria um pedido de prisão do ministro. Em reunião com Silveira e Do Val, Bolsonaro teria proposto que o senador cumprisse esta missão, de gravar Moraes, e teria dito que o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) daria o apoio técnico à ação.
Após a declaração da coação sofrida, Marcos do Val (Podemos-ES), que reclamou ter sido coagido para aliar-se a um golpe de Estado. A revista Veja surge com cópias das conversas. A publicação teve acesso a um conjunto de mensagens revelando o caso. A trama foi anunciada por Bolsonaro, no último dia 9 de dezembro, em reunião com Marcos do Val e com o deputado Daniel Silveira (PTB-RJ). Naquele dia, Lula ainda não havia sido diplomado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o até então presidente reapareceu em um breve pronunciamento no cercadinho do Palácio da Alvorada, após ficar mais um mês recluso e sem admitir o resultado das eleições.
Após dizer que seu futuro dependia dos apoiadores e depois de exaltar sua ligação com as Forças Armadas, Bolsonaro participou da reunião e revelou o plano para anular o resultado das eleições, impedir a posse de Lula e permanecer no poder. A trama, apoiada apenas por um grupo restrito, consistia em: alguém de confiança se aproximar do presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, e, devidamente equipado para gravar as conversas do magistrado, captar algo comprometedor que servisse de argumento para prendê-lo. Esse seria o estopim que desencadearia uma série de medidas que provavelmente atirariam o País numa confusão institucional sem precedentes desde a redemocratização. Do Val foi escolhido por ter uma relação particular com Alexandre de Moraes há mais de dez anos.
A reunião com o presidente durou cerca de 40 minutos. No encontro, Daniel Silveira disse que o senador Marcos do Val era uma pessoa de sua confiança e pediu ao presidente apresentasse a ideia que “salvaria o Brasil”. Após explanar o plano de prender o ministro, impedir a posse de Lula e anular as eleições, Do Val quis saber como isso seria feito. Bolsonaro então disse que os equipamentos de espionagem necessários seriam fornecidos após acerto dele com o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), órgão responsável pela segurança do presidente e que tem a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) sob seu organograma.
Caso aceitasse a missão, Do Val ficaria com a tarefa de gravar Alexandre de Moraes. A escolha dele seria porque o senador conhecia o ministro há mais de uma década e poderia se aproximar dele sem levantar suspeitas. O senador pediu um tempo para pensar, mas no dia seguinte passou a ter a resposta cobrada por Daniel Silveira, via mensagens de texto. Uma das mensagens a qual a Veja teve acesso foi enviada por Marcos do Val a Alexandre de Moraes em 12 de dezembro. Nela, o congressista pede para falar pessoalmente com o magistrado, diante da gravidade do que havia tomado conhecimento. O encontro com o ministro foi agendado para dois dias depois.
No dia 14 de dezembro, na reunião agendada com Moraes, Do Val detalhou o plano. Somente na noite deste dia, após o encontro com o ministro, Do Val respondeu às mensagens de Silveira. “Irmão, vou declinar da missão”, escreveu, sem dar maiores explicações. O deputado assentiu: “Entendo, obrigado”. Procurado pela Veja para falar sobre o caso, o agora ex-deputado Daniel Silveira informou, via advogados, que estava impedido pela Justiça de falar com jornalistas.
Sabe-se: Jair Bolsonaro viajou para os Estados Unidos alguns dias depois da reunião no Palácio da Alvorada e não falou sobre o caso. Já Marcos do Val confirmou ter participado da reunião com o então presidente, admitiu ter ouvido os detalhes do plano e ter relatado a Alexandre de Moraes. Também na quinta-feira (2), o senador anunciou que renunciaria ao mandato. A Polícia Federal deve tomar depoimento de Do Val após autorização de Moraes.