A Lei de Acesso (Lei nº 12.527) de autoria do Deputado Reginaldo Lopes, do PT-MG, foi promulgada pela então presidente Dilma em 18 de novembro de 2011, mas ficou famosa e passou a ser alvo de crítica primeiro pela direita, quando, em maio de 2016, a presidente Dilma quis que os e-mails de “Bessias”, isto é, do procurador Jorge Messias, então subchefe para Assuntos Jurídicos (SAJ) da Presidência, que foi o servidor designado para levar o termo de posse que daria ao então ex-presidente Lula o cargo de ministro da Casa Civil, ficassem sob sigilo por cem anos. Na época, houve um pedido realizado com base na Lei de Acesso, mas a Casa Civil se recusou a liberar as mensagens, apesar de existirem precedentes da Controladoria Geral da União. Todavia, o segredo durou pouco, o então juiz Sérgio Moro acabou divulgando o conteúdo dos e-mails e a presidente Dilma foi muito criticada pela oposição. Vale ler matéria do O Globo publicada naquela época no site ( https://oglobo.globo.com/politica/casa-civil-quer-mails-de-bessias-protegidos-por-100-anos-19273720). Atualmente, Jorge Messias é o ministro da Advocacia-Geral da União (AGU).
Depois, o então presidente Bolsonaro utilizou fartamente dessa lei para decretar sigilo. Segundo publicado no site do UOL, em 16/01/2023, o “Governo Bolsonaro impôs 1.108 sigilos de cem anos, diz a Transparência Brasil” e “Pesquisa inédita avaliou os 1.379 sigilos decretados pelo governo federal entre 2015 e 2022 e descobriu que 80% deles foram impostos durante o governo Bolsonaro.” Gostaria de saber por qual razão a pesquisa não considerou os sigilos decretados entre 2011 e 2014…
Vale lembrar que, em 30/04/2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou por unanimidade restrições à Lei de Acesso estabelecidas em uma medida provisória editada no final do mês de março de 2020 pelo ex-presidente Bolsonaro.
Conforme publicado pela Agência Senado, “…, o STF confirmou uma liminar do ministro Alexandre de Moraes, tomada no dia 26 de março — três dias depois da edição da MP. Para Moraes, as restrições instituídas na matéria são genéricas e abusivas e ofendem o princípio da publicidade e da transparência. A liminar atendeu a uma ação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), à qual foram anexados os questionamentos do PSB e da Rede Sustentabilidade.
A MP previa, entre outros pontos, a suspensão dos prazos de resposta e a necessidade de reiteração de pedidos durante a pandemia do novo coronavírus. Já a Lei de Acesso à Informação regulamenta o trecho da Constituição que estabelece como direito de qualquer cidadão receber, do poder público, informações de interesse da sociedade.
A lei é considerada um marco na transparência política e administrativa do país. É por meio dela que muitas informações do poder público são conseguidas por organizações, jornalistas e cidadãos.
Por ocasião dos debates para a última eleição presidencial, o então presidente Bolsonaro foi duramente criticado pelo candidato Lula por decretar sigilo de cem anos, que segundo Bolsonaro referia-se a “Questões pessoais” e o Lula prometeu que, se eleito, iria acabar com os sigilos, conforme publicado no site do EM.
Pois bem, o presidente não só descumpriu com a promessa como superou o presidente Bolsonaro na imposição de sigilo de cem anos, segundo publicado no site do Estadão em 21 de março de 2024, o governo Lula impôs sigilo de 100 anos a 1.339 pedidos, de visitas de Janja a textos sobre Robinho.
Agora, no início de 2025, sob a justificativa de as despesas presidenciais serem uma questão de segurança, o presidente Lula elevou os gastos no cartão corporativo e manteve o sigilo de cem anos.
Mas afinal, o que diz a lei de acesso à informação?
Essa lei determina que subordinam-se ao regime desta Lei:
I – os órgãos públicos integrantes da administração direta dos Poderes Executivo, Legislativo, incluindo as Cortes de Contas, e Judiciário e do Ministério Público;
II – as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
Outrossim, aplicam-se as disposições desta Lei, no que couber, às entidades privadas sem fins lucrativos que recebam, para realização de ações de interesse público, recursos públicos diretamente do orçamento ou mediante subvenções sociais, contrato de gestão, termo de parceria, convênios, acordo, ajustes ou outros instrumentos congêneres. Ressalva, no entanto, que a publicidade a que estão submetidas as entidades acima citadas refere-se à parcela dos recursos públicos recebidos e à sua destinação, sem prejuízo das prestações de contas a que estejam legalmente obrigadas.
Esta lei define como “informação sigilosa” aquela submetida temporariamente à restrição de acesso público em razão de sua imprescindibilidade para a segurança da sociedade e do Estado e define como “informação pessoal” aquela relacionada à pessoa natural identificada ou identificável.
Vale ressaltar que o acesso à informação não compreende as informações referentes a projetos de pesquisa e desenvolvimento científicos ou tecnológicos cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado e que existe previsão expressa de que as informações pessoais, relativas à intimidade, vida privada, honra e imagem:
I – terão seu acesso restrito, independentemente de classificação de sigilo e pelo prazo máximo de 100 (cem) anos a contar da sua data de produção, a agentes públicos legalmente autorizados e à pessoa a que elas se referirem; e
II – poderão ter autorizada sua divulgação ou acesso por terceiros diante de previsão legal ou consentimento expresso da pessoa a que elas se referirem.
Como se vê, de acordo com a Lei de Acesso à Informação, informações pessoais efetivamente devem ser preservadas, protegidas pelo sigilo, mas destaque-se que a CGU, em setembro de 2024, adotou normas internas para restringir o uso do sigilo de 100 anos. Pela nova regra, na ausência de indicação expressa quanto ao prazo de sigilo da informação considerada pessoal, deve-se aplicar o período de 15 anos, e não o de 100, problema que é facilmente contornável, basta que se coloque prazo de 100 anos no decreto que determinar o sigilo.
A Lei ainda determina que são consideradas imprescindíveis à segurança da sociedade ou do Estado e, portanto, passíveis de classificação as informações cuja divulgação ou acesso irrestrito possam:
I – pôr em risco a defesa e a soberania nacionais ou a integridade do território nacional;
II – prejudicar ou pôr em risco a condução de negociações ou as relações internacionais do País, ou as que tenham sido fornecidas em caráter sigiloso por outros Estados e organismos internacionais;
III – pôr em risco a vida, a segurança ou a saúde da população;
IV – oferecer elevado risco à estabilidade financeira, econômica ou monetária do País;
V – prejudicar ou causar risco a planos ou operações estratégicos das Forças Armadas;
VI – prejudicar ou causar risco a projetos de pesquisa e desenvolvimento científico ou tecnológico, assim como a sistemas, bens, instalações ou áreas de interesse estratégico nacional;
VII – pôr em risco a segurança de instituições ou de altas autoridades nacionais ou estrangeiras e seus familiares; ou
VIII – comprometer atividades de inteligência, bem como de investigação ou fiscalização em andamento, relacionadas com a prevenção ou repressão de infrações.
A meu ver, sim, cabe o sigilo das informações pessoais, mas, de acordo com a legislação brasileira, não caberia jamais sigilo sobre os gastos, realizados ou não com cartões corporativos, referentes a eventos, almoços, jantares, viagens, presentes, passeios, contratações, realizados em decorrência de ocasiões oficiais. Para mim, esse sigilo é ainda mais injustificável se tais gatos ocorrerem em ocasiões que são de conhecimento público, encontros com outros governantes ou pessoas, que sejam de conhecimento público. O dinheiro público não pertence aos agentes políticos, aos servidores públicos e suas famílias, seu uso precisa ser justificado, há de ser feita a prestação de contas para a sociedade e, portanto, devem ser atendidos os pedidos de informação realizados pelas pessoas físicas ou jurídicas com base na lei de acesso à informação. Esse sigilo é imoral e inconstitucional, viola o disposto no artigo 37 da Constituição Federal, que determina que a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Quando eu vejo os políticos e seus defensores mudando os seus discursos sobre questões como essa, a depender se o seu político está no poder ou não, me dá uma tristeza. Impossível não lembrar de “Cem Anos de Solidão” ao perceber que o Brasil se parece muito com Macondo.
Todos os textos de Marcelo Terra Camargo estão AQUI.
Foto da Capa: