Foi na 70ª Feira do Livro, em pleno coração pulsante de Porto Alegre, onde as emoções costumam saltitar dos livros para a vida, e vice-versa. E que saltos! A tarde já começava em alta pulsação, no Auditório do Força e Luz, onde eu debatia com a grande escritora Anna Cláudia Ramos como é escrever nessas duas frentes, para grandes e pequenos. Havia meia dúzia na plateia, mas isso pode acontecer com qualquer dois, acrescentando que, no meio da meia dúzia, estavam Lelei Teixeira, potente colega nesta plataforma de leitura, e Gláucia de Souza, outra escritora e tanto. Nessas horas, lembro sempre de Marguerite Duras exaltando filmes que ficam, porque no seu pouco público constam espectadores decisivos.
Depois fomos todos juntos para a praça de autógrafos, onde já me esperava o Achutti, amigo e parceiro no livro Poema Azul – Memórias do Estádio Olímpico (Casa Verde e Bestiário) que ali relançávamos. No meio do caminho, a Anna Cláudia, que, além de competente, é gentil (combinação nem tão frequente assim), me presenteou com a bela edição de seu livro Tenho medo do monstro. De quebra – ou bônus -, ainda me alcançou uma sacolinha que depositei sobre a mesa de autógrafos, com o livro bem guardado dentro.
Autografa daqui, autografa dali, no meio de muito abraço e conversa – autógrafos da vida em si -, a coisa terminou como costuma acontecer com todas as coisas boas. Mas quando fui pegar minha sacolinha, cadê? Os monstros haviam sumido em plena praça. Não me apavorei, porque monstros costumam voltar e, especialmente, porque minha mãe estivera por ali. Quem tem mãe não pode ser roubado em vão: vai ver ela tinha levado a sacolinha para o filho não perder, sabe como são as mães, não é mesmo?
Não, ela não tinha levado, mas continuava mãe e tomou a causa para si. Chamou a sobrinha Monica, que a havia acompanhado até o Centro, e, em seguida, iniciaram as investigações minuciosas. Hoje em dia, eventos são fotografados, filmados. É muito difícil que crimes fiquem impunes, principalmente se ocorreram na via pública. Depois de horas de investigação apurada, a prova avultou inconteste. O livro tinha sido roubado por Maximiliano Ledur, presidente da Câmara Rio-Grandense do Livro, justo a organizadora do evento. Ele estivera com a gente no Pavilhão dos Autógrafos, fingindo que nos abraçava só para roubar os monstros que a Anna Cláudia me dera.
O Max, filho do Paulo Flávio Ledur (outro monstro da literatura) e de mãe muito querida e honesta, tem de fato filiação ilibada, embora exista a tese de que origens não sejam garantia de uma boa prole. Pois justo isso pode estar atrapalhando a minha própria tese, na qual comemoro o que pode ser outro grande feito de nossa Feira, já repleta de tantos. O Max garante que tomou por engano e promete devolver em breve, mas eu não perco a esperança de contarmos com um Presidente tão apaixonado por livros que seria mesmo capaz de roubá-los, de forma torpe e sorrateira.
Todos os textos de Celso Gutfreind estão AQUI.
Foto da Capa: Ilustração da capa do livro 'Tenho medo do monstro', de Anna Cláudia Ramos