Fim de ano é tempo de reflexão sobre o que passou e o que desejamos (ou esperamos) que venha pela frente. E, a menos que tenhamos nos isolado do mundo indefinidamente, os relacionamentos (pessoais, profissionais e familiares) costumam ocupar um espaço central desse balanço. No ano que passou, quem surgiu em nossas vidas? Quem sumiu das nossas vidas? Quem queremos ao nosso lado no ano que chega em poucos dias?
Nas vezes em que coube a mim definir com uma conversa o final de um relacionamento, sempre cuidei para não usar o clichê “o problema não é você, sou eu”. Tinha verdadeiro pavor desta frase. Aliás, nas vezes em que a usaram contra mim, lembro de ter respondido com uma risada irônica, quando não com uma gargalhada de escárnio – a intensidade do riso dependendo do quanto eu estivesse envolvida com o indivíduo em questão. Depois de muitos anos, descobri que a frase é perfeita. E não vale apenas para relacionamentos amorosos, mas para qualquer relação humana. Sim, o problema é do outro, que não quer se relacionar comigo. “Azar o dele”, dizia meu pai.
Sabe aquela vizinha que nunca cumprimenta quando cruza com você pelo condomínio? Aquele colega de trabalho que está sempre fazendo mansplaining com você nas reuniões da firma? E, sim, claro, o clássico caso do companheiro que fez juras de amor há anos e com quem havia um acordo tácito (ou mesmo assinado) de fidelidade e confiança e que você descobriu que estava “apaixonado” por outra criatura com quem só dividia os bons momentos, sem os ônus de um convívio diário de casa, contas e filhos. Por mais que possa parecer que você não recebe cumprimento por ser antipática (ou estar mal vestida ou ter feito barulho demais na noite anterior), que o colega te trata como idiota porque você não sabe se impor (ou demonstrar o que realmente sabe de maneira eficaz) ou que você tomou um par de guampas porque não estava cuidando direito do relacionamento (ou se dedicando demais ao trabalho, ou aos filhos, ou se arrumando muito mal – as desculpas que o traidor encontra são tão variadas quanto estúpidas), a verdade é que essa gente age assim por problema exclusivamente delas. O problema não somos nós, são elas.
O que nos faz pensar o contrário é um misto de autoestima frágil e, paradoxalmente, a prepotência de acreditar que temos qualquer controle sobre o que sentem ou deixam de sentir em relação a nós. São esses sentimentos que ficam buzinando em nossos ouvidos frases começadas com “eu não deveria ter…” (preencha como preferir):
… fechado a porta do elevador na cara dela em 2012
… insistido na cobrança da taxa extra do condomínio no ano passado
… mandado e-mails com emoticons no final
… reclamado tão enfaticamente do andamento do projeto
… parado de dar risada das piadas repetidas
… deixado de fazer as unhas todas as semanas
… trocado o seriado das terças por botar os filhos na cama
… deixado de fazer o jantar todas as noites
Apenas pare! Nada do que você deixou de fazer ou fez teria mudado o fato de que (1) a vizinha é vaca e não quer cumprimentar você, (2) o colega é um machista inseguro criado pela avó que só consegue se sentir bem inferiorizando mulheres e (3) a pessoa que você amava e que você achava que ama você não tem de onde tirar o que você quer/precisa nesse relacionamento.
Porém, contudo, todavia
Agora… A criatura não cumprimenta por problema dela, mas cabe a você decidir o que fazer com essa falta de interação. O colega é imbecil por problema dele, mas cabe a você fingir que ele não existe na próxima reunião – ou dar uma resposta bem atravessada logo pra transformar a coisa em problema seu. O marido/a mulher é um ser infeliz que colocou tudo a perder por conta e risco próprios, mas cabe a você a qualidade da limonada que vai sair desse limoeiro azedo (o açúcar é seu).
Seu chefe mandou você embora porque você e a empresa não combinavam mais. Talvez você não estivesse disposto a entregar o tanto de vida que a empresa exigia. E, quer saber, que bom que a empresa resolveu se dar conta do problema que ela era na sua vida!
Seu parceiro não quer mais você por questões dele, não há nada que você possa fazer para mudar isso, mas você pode mudar o que vai fazer com a recém-recuperada solteirice ou com a nova configuração do relacionamento pós-terremoto, se ele seguir existindo. E mandar a pessoa lidar com os problemas dela bem longe de você pode ser um belo começo. (Dica: um bom palavrão pode ser de grande valia nesse momento. E vai ser problema seu, não dela.)