Cheguei desta vez na Cidade Luz totalmente diferente: menos ansiosa, menos deslumbrada, mas muito mais apaixonada ainda, por me sentir tão em casa. Que sensação estranha se sentir em casa fora do seu país de origem. Tem quem diga que casa é uma sensação de acolhimento. Talvez isto explique minha ligação com esta metrópole multicultural.
Novamente fazendo da minha viagem um solo inesquecível comigo mesma, me permito me abrir para o mundo por aqui, sendo uma versão minha mais livre, mais intensa, mais aberta e mais curiosa pelos lugares e pelas pessoas. Minha ânsia agora é falar em francês, testar meu aprendizado e mergulhar fundo neste idioma que traz em si um estruturalismo racional.
No aeroporto, já sabendo os caminhos abreviei minha saída, me localizando e ficando mais leve e mais ligada no entorno. Entrei no RER B e notei que havia falantes de português e perguntei: brasileiros? E me disseram: Não, portugueses. Ri comigo mesma e levantei a cabeça, e um homem, muito bonito, estava me olhando, curioso daquela minha reação de tentar achar brasileiros ali naquela situação.
Sentei calmamente, e ele trocou para meu assento em frente perguntando se eu havia falado com ele. Eu, educadamente respondi que não, em francês. Mas que havia ouvido meu idioma e achava que eram brasileiros. Ele começou a conversar comigo que conhecia o Brasil (gente, quem não conhece meu país? kkk), que era lindo e exuberante como o dele, a Argélia. Me contou que a Argélia era um país com floresta como a Amazônia (eu não sabia disto) e ficava ao lado da Tunísia e do Marrocos. Ele falava um francês cadenciado que eu entendi quase tudo. Naquele trajeto conversamos bastante ao ponto dele pedir meu WhatsApp.
E novamente eu pensei: OMG. Dou ou não dou? Mas como sou eu… claro que dei. Nos adicionamos. E ele, ao contrário da primeira experiencia por aqui, teve uma postura totalmente centrada e segura. Riu muito quando contei da minha experiencia com o Rana, e perguntou: “Você bebe vinho?” E eu respondi com uma pergunta: “Você é mulçumano ortodoxo?” Ele riu e disse: “Sou mulçumano liberal, e eu bebo vinho”. Rimos os dois. Eu me apressei a esclarecer que não sou islamofóbica e que sou contra qualquer tipo de preconceito contra povos, etnias e origens. Ele respondeu que também pensa deste jeito, tanto que veio para Paris finalizar seu mestrado de engenharia em tecnologia da informação, e não voltou para o seu país. Mora aqui há 8 anos.
Brahim, este é o nome do meu novo “amigo” por aqui, me levou até a estação onde eu embarcaria e me desejou uma feliz estadia em Paris. Ficamos de nos falar e marcar de tomar um vinho para celebrar um mundo que desejamos: mais integrado, mais livre, sem guerras e com mais multiculturalidade. Antes de nos despedirmos, ele disse: “Você é uma mulher muito bonita e aberta. Deixa o mundo mais iluminado”.
Segui meu caminho para descobrir minha nova região em Paris: Butte-aux-Cailles. Mas segui me sentindo viva, em uma sintonia de estar vivendo nas páginas de um roteiro de cinema, escrevendo o filme da minha vida. Sai do metrô, e antes de ir direto para o Hotel, parei em um bistrô e pedi uma taça de rose. Fiquei olhando a chuva fina e fria pensando: que bom poder estar em movimento no mundo. Muitas pessoas me chamaram perguntando se eu havia encontrado o Rana, outros dizendo: foi atrás do namorado. E a mais pura verdade é que me permito ser eu inteira no mundo, comigo mesma, vivendo estes encontros sem precisar nomear.
Não vim a Paris para buscar um amor. Não vim a Paris para encontrar o Rana. Inclusive hoje fiz questão de passar na frente do restaurante dele e não olhar para trás. Aprendi que passado é passado. Paris para mim é o amor. É a liberdade que me ilumina. Tem muitos significados, mas com certeza o maior deles é poder ter encontros diversos, plurais que me levam além.
Se vou sair com Brahim? Não sei? Só sei que estou aqui me permitindo a criar histórias, novos roteiros, degustar esta cidade, entre meus trabalhos, conhecê-la em sua outra versão: a do dourado outonal. E deixo aqui uma pergunta para as leitoras em especial: quando você irá se permitir e se encorajar a viajar consigo mesma? A vida é uma infinita possibilidade de descobertas. E não dura para sempre. Viva.
Foto da Capa: Acervo da Autora