Sempre fui um ser envolvido com o coletivo (minha veia de professora), preocupada com o benefício e equilíbrio dos envolvidos. Buscando aprender a viver e conviver com culturas, etnias, raças, cores e credos diferentes, tirar o melhor e mais elevado aprendizado de todas as experiências que a vida me proporciona. Neste artigo vou tentar relatar o que vivi e expressar as experiências, as pegadas, as marcas de 2022 que deixo no meu texto da Sler. O que não esperava que 2022 me proporcionasse a possibilidade de viver e experienciar tantas formas de coletivos de diversidades tão diferentes.
A primeira experiência foi participar do Projeto Brasil Sem Frestas, que é um coletivo de pessoas cujo propósito é recolher caixas de leite tretrapark (retirando da natureza-reciclando) e revestindo casas de madeiras (em áreas de maior vulnerabilidade), trazendo assim mais conforto e saúde para os seus moradores (evitando a entrada do vento e auxiliando no equilíbrio da temperatura), cuja costura das placas feitas de caixas de leite são produzidas por recuperandos (presos) do sistema penitenciário (APAC- Associação e Proteção aos Condenados de Porto Alegre/RS), que cumprem penas e se engajaram no propósito. Nesta experiência, atuei de forma voluntária tanto no recolhimento das caixas de leite, instalação das placas nas casas em comunidades de maior vulnerabilidade, bem como na implantação da parceria com os recuperandos da APAC, o que me fez passar o ano todo convivendo com os recuperandos dentro do sistema prisional da APAC.
A segunda experiência foi participar do POA Inquieta, que é um coletivo com o propósito de articular pessoas, recursos e iniciativas locais através da cocriação para a transformação de Porto Alegre numa cidade mais inclusiva, criativa e sustentável, que se organiza em spins (grupos de articuladores), bem como do coletivo Ponta Cidadania, um coletivo de coletivos (Organizações Sociais, Associações de bairro, Movimentos etc.) que atuam em projetos sociais em comunidades periféricas.
Ambos os coletivos se uniram em março de 2022 com o propósito de criação e execução do I Congresso Popular de Educação para a Cidadania de Porto Alegre. Tal Congresso ocorreu no dia 26/08/2022 na Vila Planetário, 27/08/2022 na Bom Jesus e no dia 28/08/2022 no Morro da Cruz. Para a realização foi necessário a criação de organização em grupos de Trabalho (1-Infraestrutura; 2-Captação de Recursos; 3-Metodologia; 4-Atrações culturais; 5-Comunicação), sendo que cada grupo escolheu o seu líder, que por sua vez participava do Grupo da Curadoria do Congresso (grupo responsável pelas decisões da execução do Congresso).
Esta experiência foi o maior desafio de gestão de conflitos coletivos que tive a oportunidade de mediar, pois além de fazer parte do grupo de captação de recursos, e do Grupo da Curadoria fui a responsável pela mediação das reuniões de organização do Congresso, onde cada Grupo de Trabalho trazia suas demandas para decisão coletiva e os integrantes do coletivo POA Inquieta e Ponta Cidadania faziam as suas considerações para a decisão coletiva. Importante destacar que todos os envolvidos em todos os Grupos de Trabalho atuaram de forma voluntária, e todo o desenvolvimento do planejamento e execução foi feito de forma colaborativa e construtiva em três meses (junho, julho e agosto).
A terceira experiência foi a construção e execução do I Congresso de Porto Alegre Cidade Educadora, que foi realizado no dia 29 e 30/11/2022, em Porto Alegre. Existe uma rede internacional de Cidades Educadoras (Associação Internacional de Cidades Educadoras – AICE) para a qual Porto Alegre retornou em 23/12/2021, através da Lei 12.938/2021, e que teve a sua associação aceita em março de 2022, sendo o lançamento oficial para a cidade feita em abril de 2022, onde foram criados vários grupos de trabalhos envolvendo todos os atores da cidade (Poder Público, Instituições de Ensino, Organizações Sociais, empresas e cidadãos) para a construção coletiva e colaborativa da Porto Alegre que queremos viver.
Participei de vários grupos de trabalho, dentre eles o GT Incomunidades onde foram eleitos três projetos como Cidade Educadora: 1) Prefeitos de Praças (atuo como Prefeita de Praça da Praça Jardim Igreja da Tristeza); 2) Escola de Direitos Humanos e 3) Congresso Popular de Educação para a Cidadania, projeto que sou a coordenadora. No GT Primeiros Passos, do qual sou a coordenadora, estamos desenvolvendo a criação da política pública da criação do plano da primeira infância, sendo o seu lançamento feito no dia 07/12/2022, no Espaço da Convergência, na Assembleia Legislativa. GT Fora da Caixa, GT Culturas e Identidades e GT Pedagogias da Cidade. Após a construção dos projetos nos mais variados grupos de trabalho, cuja composição variou muito em face dos projetos conduzidos e executados em cada grupo de trabalho. Foi o momento de dar visibilidade e transparência da trajetória feita pela Cidade Educadora de Porto Alegre em 2022. O que culminou com o I Congresso Porto Alegre Cidade Educadora realizado no dia 29 e 30 de novembro de 2022.
Uma nova experiência desafiadora, pois os trabalhos de construção e execução novamente foram feitos em três meses (setembro, outubro e novembro). A metodologia utilizada foi reunir os componentes do GT Pedagogia das Cidades, bem como os coordenadores dos demais grupos de trabalho em um único grupo de trabalho, com reuniões semanais de construção colaborativa. Não havia um mediador ou um presidente, todos sugeriam, opinavam e decidiam no mesmo momento da reunião. A diferença é que havia o responsável técnico pela Cidade Educadora de Porto Alegre, servidor público concursado lotado na Secretaria Municipal de Transparência e Controladoria – SMTC, que era o responsável por articular as relações procedimentais necessárias nos mais variados órgãos públicos.
Participar da organização deste Congresso foi muito prazeroso, pois possibilitou levar a experiência do I Congresso Popular de Educação para Cidadania, mostrando as reais potencialidades de pessoas e projetos exitosos que existem nas comunidades periféricas e não são vistos. Ter a oportunidade de sugerir a mistura de culturas, artes, saberes, e ter a aceitação das sugestões por se tratar de uma Cidade Educadora, sendo aquela onde os habitantes poderão usufruir das oportunidades de formação, desenvolvimento e entretenimento ofertadas, com igualdade e liberdade, foi uma dádiva. E assim inúmeras pessoas e projetos que tive a oportunidade de conhecer no I Congresso Popular de Educação para a Cidadania foram convidadas a participar do I Congresso Porto Alegre Cidade Educadora.
A quarta experiência foi e está sendo participar de Porto Alegre Cidade Educadora, como coordenadora do Grupo de Trabalho Primeiros Passos, que me proporcionou participar de mais uma experiência de construção coletiva. Agora participando do Comitê do Estado do RGS para construção do Plano da Primeira Infância – CEIPI. Agora não mais como Grupo de Trabalho e sim como Comitê, que por sua vez já possui um regramento procedimental, porém sem uma forma rígida de construção, por se tratar de construção de política pública (princípio da legalidade). Uma experiência riquíssima, pois a construção do Plano da Primeira Infância exige um objetivo comum à abordagem multi e intersetorial no atendimento dos direitos da criança e fazer parte desta construção na prática não é uma tarefa fácil, porém de um crescimento ímpar.
E por fim e não menos importante a quinta experiência é a participação como Conselheira no Pacto pela Educação do RGS, cujo lançamento foi feito em maio de 2022, movimento colaborativo, que busca transformar o Rio Grande do Sul, desenvolvendo uma nova educação para uma nova sociedade, para nosso tempo.
O que todas estas experiências têm em comum?
Todas são movimento de pessoas engajadas por um propósito, sem a existência formal de um CNPJ, sem a existência de um Presidente, de um poder, de um controle e sim por um objetivo comum, que nos dizeres de “Godin Seth” é a Conexão da Tribo.
Em todas as experiências o líder não é alguém eleito, e sim quem possui as competências naturais necessárias para o trabalho que está sendo necessário naquele momento e naquele grupo de trabalho.
O coletivo onde encontrei os maiores desafios foram aqueles nos quais existe a institucionalização do sistema de poder e controle hierarquizado, pois não admitem a liderança natural e os seus integrantes não estão engajados por um propósito comum.
Qual foi o meu aprendizado?
Deixar de ser mediadora e passar a atuar de forma colaborativa quando não puder e/ou não tiver capacidade de ser líder natural em função da competência necessária para o trabalho a ser desenvolvido.
Saber escutar mais e falar somente quando realmente contribuo para a evolução do grupo.
Permanecer somente em coletivos cujo propósito se coaduna com os meus valores morais e éticos.
Sinto que estou chegando à maioridade e aprendendo na prática o significado da expressão “poder do povo diretamente” conforme previsto no parágrafo único do art. 1º da nossa Constituição Brasileira.
*Susanna Schwantes é Líder, Gestora e Consultora de Cidades Educadoras e na captação de recurso para a implantação de projetos para Cidades Educadoras, sócia da empresa Destino Jurídico, Conselheira do Pacto Pela educação do Estado do RGS e articuladora do POA Inquieta.