Nos últimos dias houve muita repercussão o pedido do deputado federal Rodrigo Maia, ex-presidente da Câmara Federal, para que seja investigado pela polícia um casal que o hostilizou em um hotel na Bahia. Segundo o deputado, teria havido o cometimento do crime de “stalking”, no direito brasileiro chamado de “crime de perseguição”.
Confesso que não me agrada essa mania de americanizar o nome das figuras jurídicas, acho um tanto “démodé”, ou melhor, “antiquado”, para não repetir esse comportamento utilizando uma palavra francesa em substituição a uma palavra brasileira, que todo mundo entende o significado. Mas essa moda pegou, e o nome do crime, em inglês, corre solto na boca dos mais admiráveis profissionais do mundo do direito e da imprensa no Brasil.
Sem examinar o caso da violência sofrida pelo deputado, pois desconheço os elementos fáticos, como se verá a seguir, caçadas e agressões dirigidas a qualquer pessoa podem conter em si a figura de vários crimes, até mesmo o de perseguição, dependendo do caso.
O que é o crime de perseguição
O crime de perseguição é definido pela seguinte conduta:
“Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade.”
Não me surpreende que o aumento dessas agressões e a criminalização dessas condutas, em 2021, anteriormente entendidas como caraterizadoras de “contravenção penal”, cuja pena era de prisão simples de quinze dias a dois meses, tenha ocorrido justamente no momento em que a sociedade brasileira está super dividida, de uma forma maniqueísta ao extremo, em que há uma polarização exacerbada que ultrapassa os aspectos políticos, econômicos, e se estende às artes, aos esportes, às religiões, aos conceitos de família, às relações amorosas, às origens raciais, à utilização dos símbolos nacionais etc.
Parece-me óbvio que o incremento exponencial dessas condutas de perseguição deu-se principalmente em razão de conflitos ideológicos e políticos, levando muitas pessoas, normalmente cordiais, gentis e éticas, a partirem para a ignorância, e também pelo surgimento de novas tecnologias que permitem que agressões, ameaças, perturbações possam ocorrer a toda hora, ainda que oriundas de um local distante e de um autor desconhecido.
O descrédito de boa parte da população nas instituições em geral, inclusive na justiça, sentimento compartilhado por um número expressivo de pessoas das mais diversas classes sociais e correntes partidárias, também contribuiu para o aumento expressivo de agressões e perseguições realizadas contra cidadãos públicos ou famosos, que desempenham as mais diversas funções.
É muito ruim a impressão causada quando processos que envolvem poderosos, e cujo deslinde teria um grande impacto para o destino da nação, prescrevem nas altas cortes brasileiras, ou demoram muitos anos para serem julgados. Isso frustra a expectativa da possibilidade de um Brasil melhor, mais justo, mais honesto, e isso trouxe muita violência nos últimos anos, especialmente dirigida a integrantes do Judiciário, do Legislativo e do Executivo. A Justiça precisa pensar em uma forma de ser mais rápida, mais eficiente. Quem sabe só um mês de férias coincidente com os recessos aumentasse a produtividade, fosse um bom começo?
A percepção causada pela demora nos julgamentos, que impede que algumas das pessoas mais polêmicas e suspeitas do Brasil sejam julgadas e condenadas, que permite que elas continuem a desempenhar cargos importantíssimos para o país, e que impossibilita que questões fundamentais para o país sejam decididas a tempo, aliada a uma série de movimentos políticos e protestos organizados por todo o Brasil contra algumas instituições, obviamente contribuiu para que essas condutas odiosas (crimes de perseguição) se multiplicassem exponencialmente.
Como se não bastasse, há uma certa imprevisibilidade jurídica uma vez que a jurisprudência oscila muito e importantes julgamentos, examinados e decididos por vários tribunais, são revertidos. Não há sequer um consenso sobre vários aspectos jurídicos dentro dos tribunais. Turmas e integrantes de um mesmo tribunal, não raro têm entendimentos bem diferentes.
Uma grande parcela da sociedade, integrada por pessoas da direita e da esquerda, não aguenta mais, está revoltada, e isso é péssimo para todo mundo. Em muitos casos, como se vê com frequência nas redes sociais e noticiários, as pessoas “perderam a cabeça” e passaram a praticar a chamada “justiça com as próprias mãos”, como se isso fosse correto. Acham que fizeram “algo bom” ao agredir o outro, em lhe humilhar publicamente, em lhe ameaçar, lhe causar medo, constrangimento, em invadir a sua privacidade, já que as instituições não responderam com a rapidez esperada, ou de acordo com o desejado pelo agressor. Chegam ao cúmulo de colocar na internet o vídeo dos atos praticados que, saliente-se, são criminosos, reforçando e revivendo a agressão e criando prova contra eles mesmos.
Infelizmente, algumas das condutas mencionadas na definição legal, acima reproduzidas, que dão origem ao crime de perseguição, bem como a outros crimes, passaram a ser exercidas com frequência em teatros, aviões, restaurantes, na frente da casa das pessoas, em espaços públicos, na internet, ou seja, nos mais diversos lugares e variadas situações.
Importante destacar que a perseguição ou ameaça não precisa ser caracterizada por palavras ditas ou escritas, pelo uso de violência, pelo aprisionamento, por gestos. Pode ocorrer por meio de humilhações, constrangimentos, atos que denotem que a vítima está sendo vigiada, ou que lhe causem medo, tormento, incômodo, angústia, ansiedade, enfim, que lhe imponham uma ameaça a sua integridade física ou psicológica, ou invadam a sua liberdade ou privacidade.
O crime de perseguição, por exemplo, pode ser configurado por condutas obsessivas, realizadas por um fã apaixonado que segue a pessoa amada em todos os lugares, invadindo sua liberdade, sua privacidade, que marca a sua presença, lhe causando medo, ansiedade, indignação, um abalo psicológico.
Este crime pode ainda ser cometido por aquele vizinho que está constantemente espiando para dentro da sua casa, ou pela fofoqueira que está sempre lhe atormentando ou difamando no prédio, por aquele ex-empregado que quer se vingar de quem lhe demitiu e estás seguidamente lhe vigiando, pelo chefe que submete o subalterno de forma contumaz a uma violência psicológica, pela ex-namorada que resolve estragar todos os momentos românticos do “ex” com a sua nova escolhida, pelo marido descornado que persegue e ameaça a ex-mulher, pelo fã da internet que lhe manda e-mails ou mensagens o tempo todo, que adiciona todos os amigos e familiares da vítima, e invade sua privacidade mandando mensagens para eles.
Enfim, existe uma gama enorme de atos, que realizados de modo reiterado, podem causar angústia, preocupações, medo, terror, pânico e constrangimentos, e que acabam por ameaçar a integridade física das vítimas, lhes causando um abalo psicológico, ou um ataque a liberdade ou a privacidade dessas pessoas e que, por conseguinte, fazem acontecer o crime de perseguição.
Muito interessante ter-se em mente para a ajuda do exame do crime de perseguição a definição legal de violência psicológica, que passou a vigorar, em 2018, na Lei Maria da Penha, na parte que trata das formas de violência doméstica e familiar contra a mulher:
“…violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;”
Penas
A pena será de reclusão de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Entretanto, a pena será aumentada de metade se o crime for cometido:
I – contra criança, adolescente ou idoso;
II – contra mulher por razões da condição de sexo feminino;
III – mediante concurso de 2 (duas) ou mais pessoas ou com o emprego de arma.
Mas, frise-se, essas não são as únicas penas. A perseguição pode acontecer juntamente com outros crimes, o que no “juridiquês” se chama “concurso de crimes”. Por exemplo, se houver agressões físicas, o hackeamento do computador da vítima de perseguida, a utilização de perfis falsos para fazer as ameaças ou ofensas reiteradas, a divulgação de fotos íntimas da vítima (nudes), ou a caracterização de outros crimes, os autores dessas condutas também responderão por elas na esfera criminal. Além disso, no âmbito civil, responderão pelos danos morais e materiais que causarem as vítimas.
A inserção desse crime na legislação brasileira ainda é relativamente recente, e conforme os casos forem sendo julgados pelos tribunais brasileiros e pelas cortes superiores, seus contornos e requisitos ficarão cada vez mais definidos. Somente então passaremos a ter mais segurança sobre o que caracteriza um ato como algo reiterado. Duas, dez, cem mensagens? Perseguir uma pessoa em um shopping a filmando e a ofendendo por um minuto, ou essa perseguição tem de ocorrer por muito mais tempo e em diversas outras ocasiões? Dois, cinco ou vinte convites para sair, realizados por alguém que não aceita um não como resposta? Ainda é cedo para sabermos como tais parâmetros serão estabelecidos pela jurisprudência brasileira, em especial pelos julgamentos das altas cortes. Acredito que tudo dependerá do caso concreto, das situações peculiares de cada fato.
Mesmo assim, a inserção desse crime no Código Penal significou um grande avanço, ainda mais em um tempo em que os recursos tecnológicos permitem cada vez mais que as pessoas sejam agredidas mesmo a distância, tornando os criminosos cada vez mais sofisticados, e difíceis de serem descobertos.
Quanto aos crimes de perseguição dirigidos aos famosos ou às pessoas públicas, eu sei que tem gente que é difícil de aturar, que chega a dar um embrulho no estômago quando a vemos, mas partir para a violência, para a perseguição, é o pior dos caminhos. Reflita se não é bem melhor exercitar a paciência do que se tornar réu em um processo criminal por ter perseguido alguém que, aos seus olhos ou de muita gente, é o fim da picada, e ainda ter de indenizá-la.