Uma banana, uma fita adesiva e milhões de dólares. A casa de leilões Sotheby’s anunciou que uma das três “edições” da obra intitulada “Comedian”, do artista italiano Maurizio Cattelan, vai voltar ao mercado. Em 2019, a obra foi vendida por 120 mil dólares e agora, cinco anos depois, o valor a ser pago deve ficar entre um milhão e 1,5 milhão de dólares. É sério. Não é “comedian” – desculpe, foi mais forte do que eu.
Você deve estar se perguntando: “O que É que a Banana tem?” Como eu não saberia responder esta questão, reproduzo aqui as palavras de David Galperin, responsável pela arte contemporânea da Sotheby’s. “Comedian é uma obra desafiadora que equilibra pensamento crítico profundo e sagacidade subversiva, esta é uma obra definidora para o artista e para a nossa geração. Se, na sua essência, ‘Comedian’ questiona a própria noção do valor da arte, então levar a obra a leilão será a realização final do seu conceito essencial”, declarou ele por meio de uma nota para a imprensa.
Em linhas breves, a história da banana é a seguinte: em 2019, o artista comprou uma banana em um supermercado em Miami e, com o apoio de uma galeria de arte, apresentou a obra na feira Art Basel Miami Beach. De lá para cá, muitas bananas assumiram o lugar da “original”, que, claro, apodreceu como apodrecem todas as bananas. Contudo, já estava previsto que elas poderiam ser substituídas, salvaguardando as orientações do artista. O leilão acontecerá ainda este mês em Nova Iorque, onde a obra (banana) ficará exposta por algum tempo antes de seguir para exposições em Londres, Paris, Milão, Hong Kong, Dubai, Taipei, Tóquio e Los Angeles.
Assim como “Comedian” de Maurizio Cattelan, há inúmeras obras que foram concebidas justamente com a intenção de desafiar os conceitos tradicionais de arte. Quando vi a notícia sobre a banana da parede, resolvi mergulhar um pouquinho neste universo de arte conceitual e acabei encontrando coisas muito curiosas. Abra seu coração e sua mente e só então siga a leitura.
O que é arte, afinal?
1. “Fountain” (1917) / Marcel Duchamp
Esta talvez seja uma das obras mais famosas e pioneiras de arte conceitual. Um urinol de porcelana em uma exposição de arte. Assim, desta maneira. O objeto foi colocado em uma sala de exposição, categorizado como arte e assinado. A obra acabou se tornando um ícone da arte dadaísta ao questionar a definição de arte e o papel do artista. Foi com esta obra também que se deu início ao conceito de “ready-made“, onde objetos cotidianos são elevados à categoria de arte simplesmente pela escolha do artista.
2. “Artist’s Shit” (1961) / Piero Manzoni
A tradução literal é “Merda de Artista”. Essa obra consistia em 90 latas seladas contendo supostamente fezes do artista. As latas, muito semelhantes às das “Rações K”, da Segunda Guerra Mundial, ou às “Rações C”, usadas pelos soldados americanos no Vietnã, levavam um rótulo em quatro idiomas – italiano, alemão, inglês e francês – com as seguintes informações: “Merda de Artista, conteúdo 30g líquido, recém-conservado, produzido e enlatado em maio de 1961”. Cada lata é numerada e assinada pelo artista em cartório. Preço: equivalente ao seu peso em ouro.
3. “For the Love of God” (2007) / Damien Hirst
Exemplo de uma obra provocativa e de alto valor comercial, características do artista. “For the Love of God” é uma de suas criações mais conhecidas. Um crânio humano incrustado com 8.601 diamantes, totalizando 1.106,18 quilates. Damien Hirst sempre deixou claro que não gostaria que a obra acabasse em um cofre, mas sim que fosse vista por muitas pessoas. A obra foi vendida a um grupo de investidores no mesmo ano em que foi criada por cerca de 75 milhões de euros.
4. “One and Three Chairs” (1965) / Joseph Kosuth
Joseph Kosuth é um dos principais nomes da arte conceitual. A obra apresenta três versões de uma cadeira: a cadeira física, uma foto da cadeira e a definição da palavra “cadeira”. A obra questiona a natureza da representação e o que significa “entender” ou “perceber” um objeto. Ao fazer isso, Kosuth chama a atenção para um código triplo de abordagem da realidade: o objetual, o visual e o verbal.
5. “My Bed” (1998) / Tracey Emin
A instalação é a cama da própria artista. Ela diz ter concebido “My bed” depois de uma noitada regada a muita bebida. A obra é uma expressão íntima de um momento emocional da vida da artista e gerou discussões acaloradas sobre a linha que delimita a vida pessoal e a arte. Lençóis amassados, roupas manchadas de menstruação, cigarros, garrafas de vodca vazias, um teste de gravidez, lubrificante e preservativos cercavam sua cama. A obra foi nomeada para o Turner Prize e é um marco da arte autobiográfica, provocando debates intensos sobre valor, intenção e originalidade.
De volta à banana com fita na parede, fica a pergunta:
O que É que a Banana tem?
E o Urinol, a Latinha, o Crânio, a Cadeira e a Cama?
Cada uma destas obras dá margem a incontáveis interpretações. Reduzir a intencionalidade dos artistas ao “gostei” ou “não gostei” é, além de injusto, uma demonstração da necessidade que temos em categorizar aquilo que não compreendemos de forma simplista. Perceber o quanto cada artista coloca da sua história, dos seus sentimentos mais profundos e da sua crítica em cada peça é o que nos vai fazer entendê-la.
Que tal revisitarmos nossa primeira opinião sobre “Comedian” e percebermos que colocar uma banana na parede da nossa casa não vai nos fazer artistas?
Fotos: Reprodução do Youtube
Todos os textos de Pat Storni estão AQUI.