Até o advento da Lei 13.260 de 16 de março de 2016 (Lei antiterrorismo) sempre imaginei que a motivação política ou religiosa fosse algo inerente a maior parte dos atos terroristas, e algo intrínseco a qualquer definição legal que fosse estipulada pelo legislador brasileiro. Só que não… No Brasil é o contrário, se a motivação do ato violento tiver como causa manifestações políticas ou religiosas, não haverá o crime de terrorismo. Isso funcionará como uma excludente de ilicitude com relação ao terrorismo. No Brasil, se houver apenas danos ao património público, o que em alguns países seria punido como terrorismo será, com sorte, punido como vandalismo, cuja pena varia de seis meses a três anos de detenção, além das agravantes. Evidente que se houver mortes, lesões físicas ou outros crimes os culpados responderão por tais crimes e pelos danos causados, mas não pelo terrorismo.
Eu sei que não deve ter sido uma tarefa fácil para os nossos congressistas chegarem a um acordo sobre a definição de terrorismo, pois as repercussões políticas são imensas, mas jamais imaginei que justamente as principais causas dos atos terroristas, fossem usadas como excludentes do crime, que de tão grave foi considerado pela nossa Constituição Federal como insuscetível de graça ou anistia.
A este passo, vale salientar que no plano internacional ainda há uma dificuldade imensa de se acordar uma definição sobre o que é terrorismo, em que pese inúmeras reuniões e tratativas já tenham ocorrido com esse intuito de definir o que é “terrorismo internacional”.
Isso ocorre em razão de haver uma grande heterogeneidade nos costumes e correntes filosóficas, religiosas, políticas e econômicas que regem os países, e porque os interesses geopolíticos econômicos da sociedade internacional costumam ser antagônicos ou no mínimo conflitantes.
Mas, mesmo assim, não é raro encontrar nas legislações dos outros países o elemento político como a principal causa do ato terrorista, justamente como o agente deflagrador do ato violento com objetivo de derrubar ou influenciar um governo, intimidar ou apavorar uma população. É desse modo na Inglaterra e nos Estados Unidos, por exemplo.
Gosto muito da definição utilizada pelo Black’s Law Dictionary, um dos dicionários jurídicos mais reverenciados no meio jurídico da “common law” que é o sistema legal utilizado em diversos países da língua inglesa, e que define o “terrorismo” como “O uso ou a ameaça de violência para intimidar ou causar pânico, especialmente como um meio de afetar condutas politicas.”.
Importante destacar que a sociedade internacional está preocupada com a utilização das novas tecnologias empregadas para o cometimento de ato terroristas, sendo que na véspera da reunião especial do Comitê de Combate ao Terrorismo do Conselho de Segurança das Nações Unidas, em outubro de 2022, foi abordado pela Embaixadora da Índia Ruchira Kamboi, líder do grupo, que o terrorismo “online”, especialmente durante a pandemia, espalhou propaganda e distorceu narrativas, com a intenção de recrutar integrantes e obter fundos. A embaixadora salientou que além da internet e meios de pagamento digitais, outras tecnologias, tais como inteligência artificial, robótica e biologia sintética também podem ser usadas para fins terroristas.
O que diz a lei brasileira
Os nossos congressistas definiram o terrorismo como a prática por um ou mais indivíduos dos atos abaixo elencados, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública.
De acordo com a nossa lei antiterrorismo, são atos de terrorismo:
I – usar ou ameaçar, transportar, guardar, portar ou trazer consigo explosivos, gases tóxicos, venenos, conteúdos biológicos, químicos, nucleares ou outros meios capazes de causar danos ou promover destruição em massa;
II – sabotar o funcionamento ou apoderar-se, com violência, grave ameaça a pessoa ou servindo-se de mecanismos cibernéticos, do controle total ou parcial, ainda que de modo temporário, de meio de comunicação ou de transporte, de portos, aeroportos, estações ferroviárias ou rodoviárias, hospitais, casas de saúde, escolas, estádios esportivos, instalações públicas ou locais onde funcionem serviços públicos essenciais, instalações de geração ou transmissão de energia, instalações militares, instalações de exploração, refino e processamento de petróleo e gás e instituições bancárias e sua rede de atendimento;
II- atentar contra a vida ou a integridade física de pessoa.
Para tais atos, a pena prevista será de reclusão, de doze a trinta anos, além das sanções correspondentes à ameaça ou à violência.
Até aí, a nossa lei foi muito bem, só que logo depois disso, os nossos legisladores determinaram que o acima disposto não se aplica à conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional, direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios, visando a contestar, criticar, protestar ou apoiar, com o objetivo de defender direitos, garantias e liberdades constitucionais, sem prejuízo da tipificação penal contida em lei. Com essa ressalva, leia-se, exclusão de ilicitude, dificilmente teremos um ato que possa efetivamente levar uma pessoa a condenação pelo crime de terrorismo no Brasil. Infelizmente, ficou muito difícil responsabilizar alguém por terrorismo por aqui. É óbvio que na maioria dos casos haverá o componente político, religioso, reivindicatório. Por conseguinte, a nossa lei antiterrorismo é uma lei que não funcionará para punir atos que nos países mais desenvolvidos e civilizados, são tidos como atos de terrorismo.
A lei antiterrorismo brasileira também estipulou penalidades para quem promover, constituir, integrar ou prestar auxílio, pessoalmente ou por interposta pessoa, a organização terrorista, sendo elas a pena de reclusão de cinco a oito anos, e multa.
Outrossim, de acordo com a nossa lei, quem realizar atos preparatórios de terrorismo com o propósito inequívoco de consumar tal crime, responderá pela pena correspondente ao delito consumado, diminuída de um quarto até a metade. Ou seja, os delitos não precisam ser tentados ou consumados, bastam que tenham sido realizados atos preparatórios, para que as pessoas sejam condenadas.
Incorrerá nas mesmas penas o agente que, com o propósito de praticar atos de terrorismo:
I – recrutar, organizar, transportar ou municiar indivíduos que viajem para país distinto daquele de sua residência ou nacionalidade; ou
II – fornecer ou receber treinamento em país distinto daquele de sua residência ou nacionalidade.
Quem receber, prover, oferecer, obter, guardar, manter em depósito, solicitar, investir, de qualquer modo, direta ou indiretamente, recursos, ativos, bens, direitos, valores ou serviços de qualquer natureza, para o planejamento, a preparação ou a execução dos crimes previstos na lei antiterrorismo brasileira, ficará sujeito a pena de reclusão, de quinze a trinta anos.
Incorrerá na mesma pena quem oferecer ou receber, obtiver, guardar, mantiver em depósito, solicitar, investir ou de qualquer modo contribuir para a obtenção de ativo, bem ou recurso financeiro, com a finalidade de financiar, total ou parcialmente, pessoa, grupo de pessoas, associação, entidade, organização criminosa que tenha como atividade principal ou secundária, mesmo em caráter eventual, a prática dos crimes de terrorismo previstos na nossa legislação.
No curso da investigação ou da ação penal, poderão ser decretadas medidas assecuratórias de bens, direitos ou valores do investigado ou acusado, ou existentes em nome de interpostas pessoas, que sejam instrumento, produto ou proveito dos crimes de terrorismo. Ademais, poderá ser decretada pelo juiz a prisão temporária do indiciado.
Aprovação de projeto que altera a definição de terrorismo e amplia condutas criminosas
Em agosto de 2021 foi aprovado pela Câmara dos Deputados um projeto de lei que altera a definição de terrorismo, amplia o rol de condutas criminosas, e que alterou a excludente de ilicitude de atos que normalmente caracterizariam o crime terrorismo, que somente será aplicada no caso de manifestações pacíficas, em que não há ameaças, violência, uso de armas ou dilapidação de bens.
Em abril de 2022, o projeto de lei foi retirado da pauta do Senado, e não encontrei mais nenhuma atualização sobre o tema na internet. Imagino que nesse ano vai voltar a ser debatido.
Portanto, em razão da lei antiterrorismo continuar a viger com a exclusão da ilicitude acima mencionada, entendo que dificilmente alguém será condenado por terrorismo no Brasil, se o motivo causador do ato terrorista for de ordem política, como, por exemplo, foram as recentes manifestações decorrentes da eleição presidencial, e as invasões e destruições ocorridas ontem em Brasília. Não me surpreenderá, no entanto, se o Supremo Tribunal Federal vier a considerar inconstitucionais essas ressalvas que excluem a caracterização de determinadas condutas como terrorismo. Acredito que esse assunto vai render muito nos próximos meses. Seja como for, é sempre melhor ser comedido nas manifestações, nas reivindicações, não cometer nenhuma violência ou ameaça. Lembrem-se que Gandhi conseguiu a independência da Índia pregando a paz.