Depois de bastante terapia, entendi que grande parte do esforço que dedico à busca de equilíbrio emocional está focada não em me tornar alguém melhor, mas em não me tornar alguém pior. Como o autoconhecimento e a autocrítica tendem a ser mais difíceis de alcançar e fazer, há algum tempo aprendi a usar os outros como espelhos dos meus traços mais negativos, lembrando da máxima freudiana “Quando Pedro me fala sobre Paulo, sei mais de Pedro que de Paulo”. Pessoa me causou ranço? Pode crer que algo ali, em alguma medida, existe também em mim.
Uma forma bem chata de existência – e da qual fujo deliberadamente – é a do saudosista. Não me entenda mal, eu gosto de lembrar do passado, das coisas boas que me aconteceram e das pessoas interessantes que cruzaram meu caminho. O problema é quando nos transformamos naquele tipo de gente que repete amiúde “bom era no meu tempo”. Nada da atualidade presta: música, cinema, literatura, comportamentos, gastronomia. “Bom mesmo era quando éramos jovens.” E aí está a chave para desmontar a validade dessa impressão. O melhor de quando éramos jovens não era a sociedade, o mundo, a cultura. O melhor de quando éramos jovens é que éramos jovens. Como vencer essa aparentemente inexorável tendência? Guardando o passado com carinho e relembrá-lo eventualmente, mas mantendo o olhar e a percepção voltados para o presente e até mesmo para o futuro, por mais curto que ele possa estar parecendo. Já parou para pensar que os saudosistas de amanhã serão os jovens de hoje que não souberem se adaptar com o que vier pela frente?
E na criação de filhos, então? Quer exemplos melhores a não serem seguidos do que os dos rebentos que deram flagrantemente errado por influência dos pais? Porque, para dar certo, não existe fórmula (ainda que muita gente ganhe dinheiro vendendo a ideia de que existe receita para o sucesso, a riqueza, o bem-estar, além da tal “positividade tóxica” de que alguns têm falado), mas, para dar errado… Tive a “sorte” de demorar quase uma década para engravidar depois que decidi ser mãe. Com isso, vi muitos exemplos de crianças e adolescentes criados da forma como eu acreditava ser a mais correta e, com o que presenciei, pude aprender especialmente o que não iria repetir. Estou cometendo erros, evidentemente, mas são erros novos, que ainda não havia identificado. É aquilo: “errar é humano, insistir no erro é burrice”.
Acima de tudo, porém, tenho me concentrado em não me transformar em uma pessoa ressentida e amargurada. Você sabe do que estou falando. Embora mais comum a partir da meia idade, essa forma de enxergar e viver o mundo permeia diferentes gerações. Normalmente (e aqui não há dado científico, apenas uma impressão pessoal), são pessoas que sofreram traumas, traições, perdas importantes (de pessoa, de emprego, de dinheiro) e passam a enxergar através de uma lente cinzenta, responsabilizando a todos e a tudo por suas desgraças e desacreditando que algo de bom possa ser tirado da existência. Essas pessoas afetam negativamente a vida de quem as cerca, especialmente se são pessoas que a amam – ou amaram um dia, antes dela se enfiar no buraco.
Motivos, todos temos para fechar a carranca e se apegar a uma visão sombria da vida. Absolutamente todos. Mesmo que não pareça. Os meus me são bem claros. Durante muito tempo, tentei inutilmente mudar o que causava esses sofrimentos. Até compreender, afinal, que como isso não depende de mim, é impossível. Eu não posso mudar as causas do sofrimento, mas posso escolher como conviver com elas de uma maneira melhor. E isso é o que tem me salvado desse “re-sentir” que, infelizmente, de vez em quando ainda me atropela. Por isso, lembrando Gal cantando Caetano: é preciso estar atento e forte.