Quando se está à procura de um imóvel para comprar, faz-se necessário ter alguns cuidados que vão além das visitas para uma boa verificação do local. É importante que se tenha uma precificação adequada, uma promessa de compra e venda que retrate fielmente a negociação das partes, mas é prioritário que os compradores observem a situação jurídica da propriedade e dos vendedores.
É um risco muito alto comprar um imóvel sobre o qual recaia algum ônus ou gravame, como um penhor, uma hipoteca, ou uma ação real e pessoal ou reipersecutória sobre a qual se discuta a propriedade ou a posse do bem. Isso pode se dar em razão de questionamentos sobre a propriedade, de um usufruto, de uma hipoteca, de um penhor, de uma alienação fiduciária, ou até mesmo em razão de direitos de posseiros que tenham invadido o imóvel, seja uma área de terras, uma casa ou um apartamento, pois muitas vezes habitam no imóvel pessoas que já têm o direito a usucapião do imóvel, assunto que abordei no artigo “Usucapião, a batalhas entre possuidores e proprietários”, publicado aqui na Sler em 11 de julho de 2022. Portanto, há um risco grande de se comprar um imóvel assim. Não recomendaria isso para ninguém. Todo cuidado é pouco quando se vai investir recursos relevantes que, para a maioria das pessoas, muitas vezes representam a poupança de uma vida inteira.
De início, será necessária uma matrícula atualizada do imóvel, com certidão negativa de ônus reais e de ações reais e pessoais ou reipersecutórias, que são aquelas ações movidas contra os proprietários do imóvel, em decorrência do descumprimento de alguma obrigação pelo devedor, que repercutem sobre a propriedade ou posse do imóvel.
Com base nessa matrícula verifique se os vendedores são os reais proprietários e, em caso positivo, solicite a comprovação do estado civil (solteiro, casado, separado judicialmente, divorciado, viúvo, em união estável). Em se tratando de união estável, requisite que o companheiro ou companheira compareça como vendedor ou como interveniente anuentes, pois ele poderá vir a requerer a anulação da compra e venda ou alguma indenização alegando que aquele imóvel foi adquirido com recursos dele também. Assim, é sempre necessário verificar o real estado civil dos vendedores.
Outrossim, é muito importante verificar se existem débitos tributários que recaiam sobre o imóvel, ou seja, se o IPTU (Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana) em caso de imóvel urbano, ou ITR (Imposto Territorial Rural), no caso de imóvel rural, estão quitados. Sem a comprovação de que esses impostos estão em dia, será impossível a venda do imóvel.
Exija também uma declaração negativa de débitos condominiais do imóvel a ser comprado, emitida pelo síndico ou pela administradora do condomínio. Aliás, sem isso, não será possível que seja realizada a escritura pública de compra e venda.
Em alguns estados, como o Rio de Janeiro, por exemplo, é necessário para a venda do imóvel a apresentação da Certidão Negativa de Débito, emitida pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de Defesa Civil, Corpo de Bombeiros Militar, emitida através do site do FUNESBOM, a taxa dos bombeiros. Portanto, não esqueça de pedir isso.
Ainda sobre os débitos tributários, há de ser verificado se os vendedores têm algum débito perante as fazendas municipais, estaduais ou federais. Se houver alguma execução fiscal ou dívida ativa contra os vendedores isso poderá ser visto inclusive como fraude à execução e a venda anulada, pode até haver o redirecionamento de uma execução fiscal para que o imóvel seja penhorado e leiloado para pagar os débitos tributários. Importante ter em mente que o STJ mais uma vez afirmou que são consideradas fraudulentas as alienações de bens posteriores à inscrição de dívida ativa, exceto se o devedor reservou quantia suficiente para pagar seus débitos. Essa presunção de fraude é absoluta, não é preciso mostrar a má-fé do adquirente. Portanto, muito cuidado.
Assim, como há exigência de negativa de débitos fiscais municipais, estaduais e federais do imóvel e dos vendedores, não esqueça de requerer as respectivas Certidões Fiscais e Fazendárias, tanto com relação aos vendedores quanto ao imóvel, e é muito importante que nelas constem “NADA CONSTA”. No Rio de Janeiro, essas duas Certidões são emitidas pelo 9º Ofício do Registro de Distribuição da Capital. A Certidão Negativa de Débitos Relativos aos Tributos Federais e à Dívida Ativa da União são emitidas pela Secretaria da Receita Federal do Brasil.
Muita atenção também se houver protestos e, mais ainda, se houver um protesto contra alienação de bens registrado na matrícula do imóvel, pois alguns tribunais também entendem que isso é fraude à execução. Assim, verifique nos Cartórios de Protestos se há alguma anotação contra os vendedores. Exija dos seus vendedores as respectivas certidões negativas para celebrar a compra e até para dar o sinal, e consulte seu advogado como proceder em uma situação dessas. Não necessariamente um protesto irá impedir a sua compra, mas não esqueça que a Súmula 375 do Superior Tribunal de Justiça determina que “O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente”. Assim, havendo a prova de que o adquirente sabia do protesto e de que em razão dessa venda o devedor poderá ficar insolvente, e não pagar seus débitos, o juiz pode entender que houve má-fé do comprador e reconhecer a fraude à execução.
Da mesma forma, verifique se há contra os vendedores algum processo criminal nas justiça federal e também na justiça estadual. São duas certidões diferentes, pois tratam de crimes de competências distintas. Embora muitos cartórios não exijam tais certidões, elas são fundamentais. Já imaginou se o vendedor é um tremendo corrupto, estelionatário ou ladrão, se aqueles bens que ele vende decorrem de crimes? O risco de se envolver com alguém assim existe. A criatividade dos criminosos e as artimanhas que usam para aplicarem golpes é grande, e as consequências podem ser terríveis.
Fundamental também uma certidão emitida pelo “Registro de Distribuição de Feitos Ajuizados” da sua cidade, que serve para que se verifique a situação pessoal dos vendedores, ou seja, para que se certifique que não há ajuizado, em curso ou em andamento ações abaixo descritas:
– Recisórias;
– Falências, Concordatas, Recuperações Judiciais e demais ações e precatórias distribuídas às varas com competência Empresarial;
– Separações, Divórcios, Alimentos e outras ações e precatórias distribuídas às varas com competência de Família;
– Ações Acidentárias;
– Retificações, Averbações e outras ações e precatórias distribuídas às Varas com competência em Registros Públicos;
– Medidas cautelares (Arrestos, Sequestros, Buscas e Apreensões, Notificações e outros) distribuídas às varas com competência Cível;
– Ordinárias, Sumárias, Despejos, Consignatórias, Execuções e outras ações e precatórias distribuídas às varas com competência Cível;
– Ações e precatórias de competência das Varas Regionais;
– Inventários, Testamentos, Arrolamentos, Administrações provisórias, Tutelas, Interdições, Curatelas, Declarações de ausência e outras ações e precatórias distribuídas às varas com competência em Órfãos e Sucessões;
– Ações e precatórias de competência dos Juizados Especiais Cíveis;
– Ações distribuídas às varas de Infância, da Juventude e do Idoso, mencionadas no parágrafo primeiro do Artigo 382 da Consolidação Geral da Corregedoria Geral de Justiça;
– Ações de competência da Justiça Itinerante.
Em algumas cidades existem mais de um Ofício Distribuidor, e todos eles devem ser consultados.
Demande também uma Certidão emitida pelo Tribunal Regional Federal da sua região, referentes aos processos cíveis em que os vendedores possam figurar como parte.
Não menos importante é a Certidão Negativa de Interdição e Tutela. Aliás verifique isso, antes de dar um sinal, pois algumas vezes é muito difícil reaver o sinal pago na promessa de compra e venda.
Com relação ao imóvel a ser comprado, peça a Certidão de Situação Fiscal e Enfitêutica do Imóvel emitida pela Prefeitura Municipal
É indispensável solicitar a Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas, para não correr o risco de futuramente ter seu imóvel penhorado para o pagamento de débitos trabalhistas dos antigos proprietários.
Não deixe para verificar todas essas situações somente após ter assinado a promessa de compra e venda e pago o sinal. Pode ser tarde se for uma pessoa com “problema”, “enrolada” ou “trambiqueira”. É possível sim, previamente a assinatura da promessa de compra e venda conhecer bem a situação dos vendedores e do imóvel.
Mesmo que a imobiliária seja ótima, que forneça toda essa documentação previamente, não assine nenhum documento sem consultar um advogado da sua confiança, principalmente a promessa de compra e venda, pois será com base nela que a escritura pública de compra e venda será lavrada. Lembre-se que nem todas essas certidões que lhe protegeriam um pouco são exigidas para a realização da escritura pública de compra e venda, e surpresas sempre podem acontecer. Ademais, mesmo com todos esses cuidados, há sempre o risco de o vendedor ter problemas jurídicos em outros estados da federação ou comarcas não abrangidas pelas certidões acima mencionadas. Vale sempre investigar um pouco a vida do seu vendedor. A internet é um bom meio para fazer essa pesquisa. Espero que esse artigo sobre como comprar um imóvel com um pouco mais de segurança lhes seja útil.
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