Uma das respostas mais honestas que já vi sobre a longevidade do casamento foi dada pela viúva do Beatle George Harrison, Olivia Harrison, no documentário Living in the Material World, de Martin Scorsese. “As pessoas perguntam qual o segredo de um casamento duradouro. É não se divorciar.” A afirmação parece simplista e pessimista. E é. Mas a realidade é que esse precisa ser o primeiro ponto a ser considerado quando se quer manter um relacionamento. O amor, a cumplicidade e a amizade são fundamentais, e não são pouca coisa, mas eles sozinhos não bastam.
Cabe ressaltar que um casamento durar muitos anos não necessariamente significa sucesso. Fosse assim, não haveria o incalculável número de relacionamentos de décadas que se sabe serem ou terem sido extremamente infelizes para um ou ambos os envolvidos – sem mencionar os eventuais filhos do casal. Nem tampouco os inúmeros casais que ficaram juntos por pouco tempo, mas conseguem ou conseguiram manter amizade e companheirismo fora da relação romântica, tornando-se parceiros de vida de outra forma. Sem o peso das religiões e convenções sociais conservadoras, ficar juntos “para sempre” é menos uma imposição e mais um projeto compartilhado por duas pessoas que em algum momento se apaixonaram.
Em tempos de rompimentos espalhafatosos, o anúncio civilizado e afetuoso do fim do casamento de 15 anos da cantora Sandy e do músico Lucas Lima deu o que falar. De um lado, aqueles que, como eu, admiram o fato de dois adultos pais de uma criança de nove anos terem a maturidade necessária para romper sem quebrar os pratos (ao menos publicamente), do outro lado, os que desconfiam dessa civilidade argumentando que se os dois de fato se amam, não tinha por que acabar. Ora, como disseram duas pessoas que sigo no Twitter: “O amor não acabou, o que acabou foi o casamento” e “Pessoal não entende que o amor continua, apenas virou uma amizade bonita. Um relacionamento bem-sucedido não deixa de ser bem-sucedido mesmo quando chega ao fim”. A mais pura verdade.
Assim como em praticamente tudo na vida, não existe uma regra que valha para todos. Em uma conversa recente que tive com o meu parceiro de 28 anos (completados esta semana), o homem que considero meu melhor amigo e com quem tive uma filha linda, concordamos que o segredo, se existe, é essencialmente um apego pela tão injustiçadamente mal falada zona de conforto. Isso, claro, trabalhando com a combinação nada básica de admiração mútua, afeto, respeito, desejo, objetivos comuns e capacidade de fazer concessões.
Amor romântico? Ele é uma delícia! Acompanhado da eventual paixão, faz o estômago tremelicar e nos bota lentes de arco-íris para ver o mundo. É incrivelmente comum nos começos e meio que desvanece ao longo do tempo. Desvanece, mas não desaparece por completo. O que descobri na prática é que é possível ter novas ondas desses sentimentos com a mesma pessoa.
Na única crise em que chegamos a cogitar uma separação, por exemplo, a perspectiva de deixarmos de ver a filha então bem pequena todos os dias foi decisiva para nos esforçarmos um pouco mais. A ideia de precisarmos dividir o tempo que tínhamos com ela foi a maior motivação para escarafunchar mais uma vez a nossa história em busca de razões para continuar, de retomar o caminho de onde ele foi interrompido por qualquer que tenha sido o detonador da crise. Valeu a pena. Se naquele momento ficamos juntos por ela, hoje estamos juntos de novo por nós.
Dependendo da saúde emocional dos envolvidos, um relacionamento longo (e acredito que isso valha para todos os tipos de relação, inclusive profissionais e de amizade) pode ser ora uma montanha-russa, ora uma roda gigante. Dificilmente será um carrossel – que, vamos combinar, por mais lindo que seja, a menos que você tenha até três anos de idade, costuma ser um porre.
Conversando com gente que se casou várias vezes, percebi nos relatos sobre as trocas sucessivas de companheiros uma semelhança imensa com a minha própria história de começos, meios e fins. Eu também tive vários casamentos ao longo dessas quase três décadas. Até hoje, foram pelo menos quatro, pelas minhas contas. A diferença é que foram todos com a mesma pessoa. O atual, aliás, começou na pandemia e já teve seus momentos de montanha-russa. Agora, estamos mais ou menos na metade de uma subida da roda gigante. Com o tempo, aprendemos a compreender a inevitabilidade das descidas e lidamos com elas melhor do que no passado.
Existem milhares de textos, livros e estudos sobre relacionamentos. Já li algumas dezenas deles, dos mais estapafúrdios aos mais inspiradores. Um que não canso de indicar é o romance-ensaio O curso do amor, de Alain de Botton. O livro é um balde de água fria em quem acredita que vale a pena tentar eternamente “ser feliz para sempre” pulando de galho em galho. É um lembrete de que passar a vida ao lado de alguém é mais do que um “enamorar-se” ou um “apaixonar-se” (que os românticos ou imaturos dentro de nós insistem em dizer que não se pode controlar), é uma escolha, e não vai fazer muita diferença se decidirmos por isso com Fulano ou Sicrano.
Na página 205 da primeira edição brasileira do livro, publicado em 2017 pela Intrínseca, o autor descreve com (muito) mais elegância o que estou tentando dizer:
A melancolia nem sempre é uma doença que precisa ser curada. É uma espécie de tristeza inteligente que se manifesta quando deparamos com a certeza de que a decepção faz parte do roteiro desde o início.
Nenhum de nós é especial. Casar-se com alguém, mesmo a criatura mais adequada, no fundo significa identificar por que tipo de sofrimento ainda estaríamos dispostos a nos sacrificar.
Num mundo ideal, os votos de casamento seriam reformulados.
No altar, o casal haveria de se exprimir assim: “Aceitamos não entrar em pânico quando, daqui a alguns anos, o que estamos fazendo agora começar a parecer a pior decisão que tomamos na vida. Porém, também prometemos não sair procurando outra pessoa, pois reconhecemos não haver alternativa melhor. Todo mundo é sempre impraticável. Somos uma espécie muito louca.”
Vinte páginas depois, ele lembra o que todos deveríamos aprender desde pequenos: “o amor é uma habilidade, e não apenas um entusiasmo”. Da minha parte, espero seguir desenvolvendo essa habilidade. Enquanto servir a ambos, junto com meu marido de quase 30 anos.
Foto da Capa: Reprodução do Instagram