Ser credor geralmente é melhor do que dever, mas em alguns casos pode ser um problemão, pois aquela venda, prestação de serviços ou empréstimo, poderá ficar sem pagamento, tornando assim o credor, que contava com aquele dinheiro, devedor de terceiros.
O problema surge quando o devedor transfere seu patrimônio de forma gratuita a terceiros, perdoa as dívidas de seus devedores, ou vende seus bens visando impossibilitar que seus credores possam de alguma forma penhorar seus bens.
Por razões óbvias, muitas vezes os terceiros beneficiados são filhos, cônjuges, companheiros, familiares, amigos ou “laranjas”. Naturalmente, sempre existe o caso do comprador de um boa-fé que não tinha como saber que o vendedor estava insolvente, ou buscava com o negócio firmado com ele, evitar o pagamento de dívidas.
O que é fraude contra credores?
Constitui fraude contra credores o ato do devedor efetuar negócios com terceiros com o objetivo de escapar do cumprimento das suas obrigações perante seus credores.
De acordo com a legislação brasileira caracteriza a fraude contra credores os negócios de transmissão gratuita de bens ou remissão (perdão) de dívidas, se praticados por devedor já insolvente, ou que em razão de tais negócios seja reduzido a insolvência, ainda que o ainda que o devedor ignore naquele momento que seus atos possam prejudicar seus credores quirografários.
A este passo vale explicar que os credores quirografários são aqueles que não possuem um direito real de garantia (penhor, anticrese, hipoteca e alienação fiduciária). Seus títulos geralmente são uma duplicata, um cheque, um contrato, uma nota promissória.
O que poderão fazer os credores caso o devedor pratique uma fraude a credores?
Existem duas correntes doutrinárias. Pela primeira, os credores prejudicados poderão entrar com uma ação judicial, chamada ação pauliana, pela qual se buscará anular os atos fraudulentos, e, pela segunda corrente, uma ação que postulará o reconhecimento da ineficácia dos negócios jurídicos que diminuam a possibilidade do patrimônio do devedor de responder pelas suas dívidas perante os credores prejudicados. Vale salientar que enquanto a redação legal utilizada pelo legislador refira à anulação, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já vem admitindo, em alguns julgados, que seria o caso de ineficácia dos negócios jurídicos. Como esse artigo é dirigido principalmente para leigos, não vou adentrar nesse aspecto processual.
Importante salientar que o mesmo direito assiste aos credores cuja garantia se tornar insuficiente, e que somente os credores que já o eram ao tempo em que ocorreram os atos fraudulentos podem pleitear a anulação deles. Se o crédito foi constituído após a doação, alienação de tais bens, ou perdão de dívidas, seus credores não poderão se socorrer dessas ações judiciais.
Requisitos para que seja declarada a fraude contra credores segundo o STJ
De acordo com o STJ, são três os requisitos para o reconhecimento da fraude contra credores:
- a anterioridade do crédito;
- a comprovação do prejuízo do credor;
- e o conhecimento, pelo terceiro adquirente, do estado de insolvência do devedor.
Veja-se parte da ementa do AgInt no RECURSO ESPECIAL Nº 1.294.462 – GO (2011/0109650-3):
“AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. FRAUDE CONTRA CREDORES. COMPROVAÇÃO. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS EXIGIDOS. AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. A ocorrência de fraude contra credores demanda a anterioridade do crédito, a comprovação de prejuízo ao credor (eventus damni), que o ato jurídico praticado tenha levado o devedor à insolvência e o conhecimento, pelo terceiro adquirente, do estado de insolvência do devedor (scientia fraudis). 2. Agravo interno parcialmente provido.”
Frise-se, ainda, que o Código Civil determina que serão igualmente anuláveis os contratos onerosos do devedor insolvente, quando a insolvência for notória, ou houver motivo para ser conhecida do outro contratante.
O que poderá o adquirente dos bens fazer
Se o adquirente dos bens do devedor insolvente ainda não tiver pago o preço, ele poderá depositar em juízo o valor, e requerer citação dos interessados. Todavia, se o valor do bem for inferior ao valor de mercado, ele deverá complementar esse preço até que se alcance o valor justo, deverá depositar o preço correspondente ao valor real.
Contra quem poderão ser intentadas as ações judiciais visando a anulação ou a ineficácia do negócio fraudulento
A ação poderá ser intentada contra o devedor insolvente, a pessoa que com ele celebrou a estipulação considerada fraudulenta, ou terceiros adquirentes que hajam procedido de má-fé.
O que acontece se algum credor quirografário tiver recebido o pagamento antecipadamente a data do vencimento
Este credor deverá devolver o pagamento, em proveito do acervo sobre que se tenha de efetuar o concurso de credores.
Presunção legal com relação à fraude contra credores
Presumem-se fraudatórias dos direitos dos outros credores as garantias de dívidas que o devedor insolvente tiver dado a algum credor. No entanto, presumem-se de boa-fé e valem os negócios ordinários indispensáveis à manutenção de estabelecimento mercantil, rural, ou industrial, ou à subsistência do devedor e de sua família.
Consequências da anulação ou ineficácia do negócio jurídico fraudulento
Anulados ou declarados ineficazes os negócios fraudulentos, a vantagem resultante reverterá em proveito do acervo sobre que se tenha de efetuar o concurso de credores. Todavia, se esses negócios tinham por único objeto atribuir direitos preferenciais, mediante hipoteca, penhor ou anticrese, sua invalidade importará somente na anulação da preferência ajustada.
Doação de imóvel aos descendentes do devedor
Se a doação do imóvel for aos descendentes, e eles continuarem morando no imóvel, não será fraude a credores, pois estaremos diante de um bem de família, que é impenhorável por determinação legal.
Observe-se o seguinte trecho da ementa do Recurso Especial nº 1.2227.366-RS (2011/0000140-9, de relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão:
“4. O parâmetro crucial para discernir se há ou não fraude contra credores ou à execução é verificar a ocorrência de alteração na destinação primitiva do imóvel – qual seja, a morada da família – ou de desvio do proveito econômico da alienação (se existente) em prejuízo do credor. Inexistentes tais requisitos, não há falar em alienação fraudulenta.”
Infelizmente, nem sempre é possível provar a existência de uma fraude, os processos no Brasil são excessivamente morosos, a previsibilidade jurídica é complicada, e os custos judiciais e com advogados podem ser expressivos, o que desmotiva muita gente a entrar em uma batalha judicial se o valor a ser recuperado não for expressivo.
Tenho percebido um grande ceticismo e descontentamento no que tange ao sistema jurídico existente no Brasil, o que de modo indireto propicia que cada vez mais trapaceiros pratiquem vários tipos de fraudes, que afetam os mais diversos aspectos da sociedade brasileira e repercutem em diversos ramos do direito, impunemente. Espero que isso mude, que as pessoas não se acomodem, que denunciem os fraudadores e golpistas, não desistam de exigir justiça, só assim teremos um país melhor.