Algumas gavetas são organizadas. Nelas, guardamos ferramentas específicas, documentos importantes ou utensílios do dia a dia. Grandes ou pequenas, elas nos ajudam nas arrumações em meio ao caos da vida. Outras, porém, parecem ser o oposto: verdadeiros depósitos de tudo o que não sabemos onde colocar. Essas “gavetas do acaso” acumulam chaveiros quebrados, baterias gastas, bilhetes antigos, elásticos de cabelo e objetos que guardamos sem motivo aparente, talvez na esperança de que um dia possam ser úteis.
Há ainda as gavetas que se tornam baús de memórias. Uma fotografia desbotada, uma carta escrita à mão, um recibo de uma viagem especial ou até um objeto aparentemente trivial que, para quem o guardou, carrega um mundo de significados. Guardamos nessas gavetas não apenas coisas, mas momentos: aquele ingresso de cinema do primeiro encontro, o caderno rabiscado de uma ideia que nunca foi realizada, o relógio que parou de funcionar, mas que pertenceu a alguém querido.
Guardamos em gavetas o que nos é caro, mas também aquilo que não conseguimos descartar, mesmo sem saber o porquê. Sejam os resquícios de um tempo que não queremos esquecer ou o desejo inconsciente de preservar algo de nós mesmos em meio às mudanças da vida. Abrir uma gaveta, então, deixa de ser um simples ato e passa a ser um encontro consigo mesmo, com escolhas passadas e com lembranças que o tempo tentou apagar.
Em Gaveta de Guardados, Ricardo Bueno nos convida a percorrer os compartimentos da alma, explorando os sentimentos, as vivências e as lembranças que ele escolheu preservar em versos. Assim como as gavetas, os poemas do autor abrigam fragmentos do cotidiano e do extraordinário: o encanto dos pequenos detalhes, a melancolia do que foi perdido, a esperança de um futuro que ainda não se desfez. Cada palavra é uma peça desse inventário afetivo, um resgate de instantes que, na correria da vida, poderiam ter se perdido.
Talvez, ao mergulhar nas “gavetas” de Ricardo Bueno, encontremos não apenas os guardados dele, mas também os nossos. Porque, afinal, a escrita — assim como as gavetas — é um reflexo de quem somos, um lugar onde as memórias se encontram com a imaginação, onde o passado dialoga com o presente, e onde, em cada canto, há algo que ainda nos pertence.
Gaveta de Guardados, publicado em 2022 pela Editora Alma da Palavra, é um livro que, certamente, não deve ser abandonado em nenhuma gaveta física, mas sim, reverberado em todas as gavetas da alma.
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Foto da Capa: Reprodução