No fim de 2024, uma associação classista, a ARPEN-BRASIL (Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais), divulgou seu já tradicional levantamento com os nomes mais frequentemente registrados em recém-nascidos em cartórios de Registro Civil brasileiros no ano passado. Encabeçam a lista Miguel, em segundo lugar, com 22.142 nomeados, e, pela primeira vez em quase uma década, um nome feminino, Helena, atribuído a 22.533 bebês.
Achei essa informação de particular interesse quando se pensa que, ao contrário do que argumentam os tiozões saudosistas em uma de suas piadas mais recorrentes, não, as novas gerações não são compostas de Enzos e Valentinas, dado que Helena e Miguel são nomes ancestrais com uma longa tradição no Brasil, ao contrário de outras aparições mais exóticas entre os outros nomes que figuram no top 10 dessa lista, como Gael (3º na lista geral, 2º entre os nomes masculinos), Ravi (4º na lista geral, 3º entre os meninos), Antonella (9º lugar na lista dos nomes femininos) ou um estranhíssimo Noah (9º na lista geral, 7º na dos nomes masculinos).
Um parêntese: reconheço que Enzo e Valentina, embora carreguem uma certa dose de estereótipo mal-humorado, não foram escolhas completamente aleatórias. De acordo com outra ferramenta interessante para quem se interessa por esse tipo de assunto, como eu, o site Nomes no Brasil, criado pelo IBGE durante o Censo 2010, os dois nomes tiveram de fato um impulso a partir dos anos 1980 e um crescimento vertiginoso na virada dos 1990. Para pegar o exemplo de Enzo, apenas, foram registrados 473 deles em 1980, e já eram 2088 em 1990. Quando o Censo de 2010 foi realizado, já eram 44,5 mil Enzos nascidos no Brasil. Embora os números possam apresentar diferenças, a curva de variação é quase a mesma para outros nomes do período que hoje são vistos como estereotípicos da “Geração Nutella”, como Lorenzo e Pietra.
Outra nota curiosa é que nessa ferramenta disponibilizada pelo IBGE no Censo de 2010 (e infelizmente não repetida no Censo de 2020 porque, bem, espero que vocês lembrem que em 2020 o presidente era um energúmeno balbuciante que não tinha capacidade sequer para falar duas frases sem uma delas ser palavrão, quanto mais para organizar um Censo) os nomes mais populares em números absolutos no Brasil não eram nenhum desses que eu citei, mas continuavam sendo os tradicionalíssimos Maria, José, Ana e João. Sério, se quiserem, deem uma olhada AQUI.
Gosto de me entregar a divagações vadias sobre esse tipo de informação porque nela encontramos algumas pistas de mudanças no panorama da Cultura.
Inspiração clássica
No passado, por exemplo, e quando falo em “passado” contemplo também o período em que eu próprio fui criança, nos anos 1970 e 1980, ainda eram comuns os nomes tradicionais de inspiração greco-romana – resultado ainda da predominância de História clássica, grego e latim no currículo escolar até a geração de meus avós. Exemplificando com anedotas totalmente pessoais, isso fez com que muitos contemporâneos de meu pai em São Gabriel tivessem esses de origem clássica cuja frequência hoje está em declínio.
Aliás, por conta da força com que as coisas se imprimem no cérebro jovem, isso provoca em mim curiosas associações automáticas. Lendo, por exemplo, uma passagem de Starobinski sobre melancolia, suas menções a Galeno, em um primeiro momento, me despertam a associação imediata ao vizinho que residia na casa ao lado da de meu avô. Também, ao encontrar uma menção a Plauto em um livro de Umberto Eco, a primeira lembrança automática é a de um professor que também era assessor da Câmara de Vereadores em São Gabriel. Curiosamente, agora que parei para pensar nisso, não me lembro de ninguém chamado Terêncio na cidade.
Quando Heródoto fala do rei macedônico Argeu, penso logo em um farmacêutico que deve ter vendido remédio para três gerações ou mais de gabrielenses. E o mesmo Heródoto, ao falar de outro rei, o espartano Ariston, me recorda na verdade de um músico bem conhecido na cidade, amigo do meu pai.
E na primeira vez que eu ouvi falar que Satyricon era uma obra de um romano chamado Petrônio, me lembrei de imediato de um professor de química que tive no então chamado 2º Grau, um cara meio intenso que chamava os alunos de “animal” e “abostado” e que jogava giz na cabeça de todo mundo (imagino se, com esse perfil, ainda está dando aula).
Minha afirmação anterior acerca do declínio desses nomes dentre a população brasileira era empírica – e se constitui na própria justificativa dessa dissociação bem peculiar, uma vez que eram tão raros que eu quase sempre os ouvi uma vez, associados a um personagem específico, antes de topar com eles de novo em outra circunstância, principalmente em livros. Mas pude confirmar a impressão numa consulta na base de dados dos nomes do IBGE.
No entanto, alguns desses nomes de inspiração antiga mantiveram sua permanência ao ponto de não soarem tão estranhos ou particulares, como Ulisses, Alexandre, Marco Antônio, Júlio César, Caio, Augusto. Não acontece o mesmo nem com Ulisses nem com Marco Antônio, por exemplo.
Já outros tornaram-se tão raros que talvez alguém devesse fazer um congresso reunindo todos os exemplares ainda existentes no Brasil. Sabem vós que, por exemplo, existiam em 2010 umas 60 pessoas registradas no Brasil com o nome de Aspásia (amante de Péricles, se você ficou na dúvida)? Distribuídas a maior parte no Rio, em São Paulo e em Minas, mas cujos últimos nascimentos documentados ainda remontavam à década de 1950. E que o último momento em que se registraram nascimentos em ampla escala de Pompílios no Brasil foi ainda na década de 1980?
As razões contemporâneas
Claro, como se pode ver na atual lista dos nomes mais populares do país, o que desperta o ímpeto dos pais para nomearem seus filhos nos últimos 50 ou 60 anos já não é mais a antiguidade clássica, são as marés da popularidade televisiva ou da atual cultura pop e de redes.
É conhecido o caso da atriz Elisângela, que popularizou, a partir dos anos 1970, um nome virtualmente inexistente no Brasil duas décadas antes (o levantamento do IBGE que eu citei corrobora a impressão). Gabriela, Cravo e Canela, de Jorge Amado – um livro que estruturalmente é bastante diverso das várias versões da história para a televisão, recomendo que leiam e descubram por si mesmos – foi publicado em 1958. O que talvez explique por que o nome manteve uma certa regularidade nos registros de recém-nascidos de 1930, quando os registros do IBGE começam de fato, até 1950 (sempre uns 700 ou 660 casos a cada década, não mais do que isso) e tem um aumento sutil em 1960. Mas é possível ver que Gabriela se torna um nome de predileção entre os anos 1970 e os 1980, justamente o período coberto pelo sucesso estrondoso da adaptação televisiva com Sônia Braga.
Se olharmos a lista, essa mais recente dos nomes mais populares, o topo é ocupado por dois nomes que têm, sim, raízes na antiguidade. Helena, o rosto que lançou mil navios, é uma figura fundamental da mitologia grega, e faz muito sentido, no fim das contas, que um país de matrizes religiosas tão arraigadas e ao mesmo tempo com um espírito de resiliência mesclado com beligerância corteje mais o nome Miguel, “anjo guerreiro” e comandante das hostes celestiais. Mas Ravi, por exemplo, esse nome que está entre os quatro mais registrados no país no último ano entre denominações masculinas, provavelmente ainda é resultado da popularidade de um personagem de mesmo nome vivido na novela da Globo de 2022 Um Lugar ao Sol (vivido pelo ator Juan Paiva). Essa ascensão recente do gaélico Gael também pode ser tributada a outro personagem das novelas da Globo de alguns anos. Precisei dar um Google para confirmar que é O Outro Lado do Paraíso, exibida entre 2017 e 2018. No estudo do IBGE, até a década de 2000 não havia registros em número relevante para figurar na estatística (e em 2000 eram 463 os recém-nascidos com esse nome no país, provavelmente como reflexo da ascensão recente do ator mexicano), e hoje é um dos 10 nomes mais populares do Brasil.
Claro, há momentos em que as coisas se confundem e não é a TV que influencia a popularidade de um nome, mas apenas o reconhece. Ruth e Raquel, dois nomes tradicionais de origem hebraica, foram usados para as personagens da popular novela de TV Mulheres de Areia, tanto a primeira versão, de 1973, quanto a segunda, de 1992. A influência da primeira novela pode ser notada para Raquel, cujo auge se dá no ano de 1980, e a segunda versão não interrompe a tendência de declínio verificada dali em diante. Ainda é, contudo, um nome popular. Mas para Ruth a novela parece na verdade registrar um nome que era popular na época, e cujo auge se dá em 1960, na década anterior à atração televisiva.
São, como eu disse no início, divagações vadias. Alguém olhando essa lista hoje pode lamentar que nomes tradicionais como os próprios Carlos e André, os que compõem este prenome que eu gosto por não ser exótico e ao mesmo tempo não ser assim tão comum. Mas eu acho precipitado. Determinados nomes mais difíceis, como Epaminondas ou Eudóxia, talvez virem, de fato, artigo raro, mas os mais comuns provavelmente ensaiarão seus retornos em algum momento, como já aconteceu antes. E sempre pode haver um caso como Elsa, por exemplo, relegado por muito tempo ao nome de avó (ou a raras jovens batizadas com o nome da avó, como uma irmã de uma amiga) até voltar à moda após o sucesso da animação Frozen.
Quem sabe?
Todos os textos de Carlos André Moreira estão AQUI.
Foto da Capa: Série Tróia: A Queda de uma Cidade / Reprodução