Finalmente uma boa notícia para quem contratou um plano de saúde. No dia 21 de setembro foi publicada a Lei 14.454/22, com entrada em vigor imediata, que estabelece os critérios que permitirão a cobertura de exames ou tratamentos que não estão incluídos no rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar, leia-se, na lista da Agência Nacional de Saúde (ANS).
A lista da ANS elenca todos os procedimentos que os planos de saúde estão obrigados a pagar, sejam medicamentos, tratamentos, terapias, consultas, exames, parto e odontologia.
Essa lista consta no site www.ans.gov.br/ROL-web/, e por muito tempo foi considerada exemplificativa pelos tribunais.
Assim, quando um plano de saúde recusava um determinado procedimento ou medicamento, por exemplo, os prejudicados pela negativa recorriam ao judiciário, e não raro conseguiam obter um provimento jurisdicional que obrigava o referido plano a custear o procedimento ou tratamento requerido.
Todavia, em junho deste ano, o STJ decidiu que o rol de procedimentos e eventos estabelecido pela ANS é taxativo, isentando as operadoras de cobrirem o que não estivesse nele previsto, se existissem, para a cura do paciente, outro procedimento eficaz, efetivo e seguro já incorporado à listagem. Transcrevo abaixo as teses definidas pelo STJ:
“1. O rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar é, em regra, taxativo;
- A operadora de plano ou seguro de saúde não é obrigada a arcar com tratamento não constante do rol da ANS se existe, para a cura do paciente, outro procedimento eficaz, efetivo e seguro já incorporado ao rol;
- É possível a contratação de cobertura ampliada ou a negociação de aditivo contratual para a cobertura de procedimento extra rol;
- Não havendo substituto terapêutico ou esgotados os procedimentos do rol da ANS, pode haver, a título excepcional, a cobertura do tratamento indicado pelo médico ou odontólogo assistente, desde que (i) não tenha sido indeferido expressamente, pela ANS, a incorporação do procedimento ao rol da saúde suplementar; (ii) haja comprovação da eficácia do tratamento à luz da medicina baseada em evidências; (iii) haja recomendações de órgãos técnicos de renome nacionais (como Conitec e Natjus) e estrangeiros; e (iv) seja realizado, quando possível, o diálogo interinstitucional do magistrado com entes ou pessoas com expertise técnica na área da saúde, incluída a Comissão de Atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar, sem deslocamento da competência do julgamento do feito para a Justiça Federal, ante a ilegitimidade passiva ad causam da ANS.”
Vale salientar que antes dessa decisão o rol era considerado exemplificativo, e os planos deveriam arcar com os tratamentos prescritos pelos médicos, desde que devidamente justificados e que não fossem experimentais.
Ainda que essa decisão do STJ tenha deixado a tábua de salvação acima transcrita, isso, na prática, tornou muito mais complicado para a maior parte da população conseguir o acesso a novos procedimentos e tratamentos.
Não precisa ser advogado para vislumbrar o trabalho hercúleo para provar que o tratamento requerido pelo usuário do plano funcionará melhor do que o equivalente indicado no rol da ANS, e o tempo necessário para cumprir o requisito do diálogo interinstitucional do magistrado com entes ou pessoas com expertise técnica na área da saúde, incluída a Comissão de Atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar.
Obviamente a intenção do STJ não foi prejudicar a população, mas sim equilibrar a equação econômico-financeira do contrato avençado entre o plano de saúde e o consumidor, para que não houvesse a quebra ou fechamento das empresas que fornecem os planos de saúde, o que indiretamente também causaria um imenso prejuízo para as pessoas.
Sem entrar no mérito se a decisão foi correta ou não, isso teve uma repercussão negativa imensa perante a sociedade. A percepção especialmente dos que precisam de tratamentos médicos, para quem os custos são proibitivos, ou seja, para a maioria das pessoas acometidas de enfermidades mais complicadas, é que isso acabou onerando especialmente os consumidores, que pagam planos de saúde com valores superelevados para os nossos níveis médios de renda, e que tem os novos tratamentos, os remédios “de ponta”, recusados pelos planos de saúde. Como, ocasionalmente, os consumidores acabam por perder a própria vida, para eles esses novos parâmetros contratuais se tornaram excessivamente onerosos.
Os usuários dos planos de saúde ficaram, e mesmo com a nova lei ainda continuam, em uma situação de enorme dificuldade e hipossuficiência, inclusive para provar que o novo tratamento solicitado por eles é eficaz, que as demonstrações técnicas exigidas foram atendidas, pois vale lembrar que pontos de vista médicos e científicos, principalmente com medicações e tratamentos novos, costumam gerar muita polêmica. Quem não se lembra das acaloradas discussões, em todos os níveis sociais, sobre a cloroquina, tratamento precoce, vacinas, lockdown, etc?
Em muitos casos, os consumidores que necessitam desses tratamentos estão até correndo risco de vida ou de ficarem com sequelas permanentes, pela falta dos recursos médicos necessários a tempo. Estão sem saúde, sem dinheiro para as caras e demoradas disputas judiciais, e principalmente sem tempo para esperar o início do tratamento. Para muitos, percorrer todas as etapas para atender tais requisitos, que alguns planos podem entender que não foram cumpridos, pode ser fatal.
Ainda que os usuários possam recorrer à Defensoria Pública, não se pode esquecer que grande parte dos usuários dos planos de saúde são pessoas mais humildes, com poucos recursos econômicos, que fazem um sacrifício imenso para pagar um plano de saúde por anos, e que justamente quando estão mal, precisando com urgência de um tratamento novo, dependerão de um intrincado e muitas vezes caro processo judicial, para o bolso de quem não é rico, e muitas vezes não pode mais trabalhar.
Essa nova lei seguiu o entendimento do STJ no sentido da necessidade de comprovação de requisitos técnicos para a cobertura dos procedimentos fora da lista da ANS, e fixou os seguintes requisitos:
“I – Exista comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico; ou
II – Existam recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), ou exista recomendação de, no mínimo, 1 (um) órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que sejam aprovadas também para seus nacionais.”
Dentre outros, são exemplos de órgãos de renome internacional para o atendimento do segundo requisito acima elencado a Food and Drug Administration, a União Europeia da Saúde, a National Institute for Health and Care Excellence (Nice), a Scottish Medicines Consortium, a Canada’s Drug and Health Technology Assessment (CADTH), a Pharmaceutical benefits scheme (PBS) e a Medical Services Advisory Commitee (MSCA).
Mesmo com todas os requisitos técnicos a serem atendidos, com certeza essa lei trouxe maior segurança e previsibilidade jurídica para os consumidores, seus médicos e advogados, que sabem que se cumpridos os requisitos legais, terão pelo menos uma chance de conseguir uma decisão favorável ao paciente que precisa de determinado tratamento para seguir vivendo com um mínimo de dignidade.