Mais uma semana após a chegada da viagem, já são três que estou de volta a minha casa no Brasil. E só posso concordar com uma frase que vi rolando no Instagram: “Viajar é trocar a roupa da alma”. E se esta viagem além de um profundo mergulho em si mesma, os seus desejos e sonhos ainda tenha descongelado seu coração? O que a gente faz depois? E depois? E depois do depois?
Eu preciso colocar algumas informações de contexto aqui: eu não sou igual a todo mundo. Durante um longo tempo isto foi um grande problema para mim. Porque ser igual a todo mundo me faria acreditar em:
– A fila anda;
– Aventuras descomprometidas;
– Conceitos rasos como paixão e amor de formas separadas.
Eu sou uma pessoa que não consigo me entregar ao que não é sensível, profundo, significativo, intenso. Por isso me fecho. Por isso durante tanto tempo não deixei as pessoas acessarem o que habita em mim: um mudo interno afetivo, imensamente livre e grandioso.
Quando Rana me cercou em Paris, ele abriu um mundo interno que não se controla com a razão, e onde o que manda é a lógica da emoção desbragada, bem brasileira, que tem a potência de uma escola de samba na avenida e a força do batuque dos meus ancestrais. Com um sample de funk bem carioca misturado ao fundo. Ser uma preta, brasileira, em si já é uma natureza cultural afetiva, aberta, movimentada e barulhenta,kkk.
Meu mapa astral tem Sol em Câncer, Ascendente em Virgem, Lua em Escorpião, Casa 7 em Peixes, Vênus em Gêmeos e Marte em Aquário. Sou filha de astróloga. E a palavra-chave que a minha mãe me resumia era: doce transgressora.
Amor sempre foi assunto sério para mim. Seríssimo. Porque eu não faço dissociação entre paixão e amor. Para mim, existe amor em diversos estágios: o inicial, o que fisga, o que se pratica, o que enleva, o que se constrói, o que se nutre, o que se troca, o que se cuida, o que se dedica, o que fica na memória e o que se dá adeus. Mas todos eles são amor. E todos podem conviver entre si. Mas nenhum deles prescinde de uma atitude anterior: CORAGEM.
Não existe amor quando o medo toma conta. Quando o medo manda na vida e nas atitudes. Amor e medo são opostos e contrários. E o medo leva ao desamor, à frustração a não realização. E a várias reticências ao longo da vida. Nunca me esqueço de um romance que ganhei do meu então diretor de criação, Marcelo Pires, em 2011. “Um dia” onde Emma e Dexter sentem uma conexão especial desde o dia que se conheceram. Porém seguem suas vidas, mas se encontram todo o dia 15.07. Acabam vivendo um quase romance eterno, sem ponto final e sem coragem de viverem inteiramente. Triste. Trágico. Para mim a metáfora de Sísifo, não ver nada concluso.
Quando falo em amor eu acredito no poder do amor. Não de uma maneira mágica, mas sim como uma escolha oposta ao narcisismo, ao consumo e a desumanização. O amor ser resumido ao romântico é a maior droga da sociedade pós digital. E Bell Hooks se debruça sobre isso mostrando que amor tem dimensões integradas além da afeição e do desejo sexual. O respeito, o cuidado, a verdade, reconhecimento, compromisso, comunicação aberta e confiança.
Mas a grande questão por trás do amor é que ESCOLHEMOS amar. Sim… respire e reconfigure a ideia de que o amor acontece magicamente. A gente escolhe amar. E nossos afetos são inclusive escolhas políticas, religiosas e culturais.
Recebo de Rana esta semana mais uma mensagem:
“Oi,
Boa noite.
I afraid my family and religion and culture, I can’t explain you my correct thinking about stop talk.
Forgive me and try to understand me from my side. I’m note free like you.”
Afraid= medo. O resto não me interessa. Pois compreensão cultural e meu perdão você já tem, Rana. Mas sobre o medo eu só posso dizer: “que os meus orixás me livrem dos medrosos.”
No momento em que este amor virou uma transgressão em razão da cultura e da religião, eu só posso chamar a minha ancestralidade e cantar um ponto da maravilhosa Maria Padilha:
“Chorei, chorei…
E matei o homem que amei…”
Pois este ponto de pomba gira, mulher, intensa, que sofre, que ama, ama e ganha sabedoria para cuidar dos seus, embala meu ponto final para este amor inesquecível.
E sob as bençãos das falanges femininas das matrizes afro religiosas digo: este amor descongelou meu coração. E me deixou aberta para viver novos amores que não sintam medo.
Um obrigada especial a Naia Teixeira, minha parceria on projeto de co-criação do livro coletivo sobre amores e mulheres preta. Ela me contou sobre sua dissertação de mestrado onde analisa os pontos de pomba gira e sua relação com a força do amor da mulher preta brasileira.