Meses atrás em um zapear eterno no Netflix me senti atraída pela 1ª temporada de Sandman sem ter nenhuma noção prévia do HQ e da comunidade que referencia Neil Gaiman nesta adaptação famosa.
Para quem não conhecia como eu, Sandman é uma publicação em série de história em quadrinhos para adultos, escrita por Neil Gaiman e publicada pela Vertigo (selo da DC Comics em 1989), que descreve a vida de Sonho – o senhor dos sonhos e governante do Sonhar (o mundo dos sonhos – e sua interação com o universo, os humanos e outras criaturas perpétuas, seus irmãos: Morte, Desejo, Desespero, Delírio, Destino e Destruição).
Descrita como “história em quadrinhos para intelectuais” pelo expoente do jornalismo literário Norman Mailer, Sandman foi a primeira HQ multipremiada a entrar na lista dos best-sellers literários do New York times.
E eu parei nela… e me senti impactada pela irmã perpétua, a Morte, belíssima como uma mulher negra, linda e sábia na série que aconselha o irmão Sonho com suas reflexões sobre a humanidade e a eterna cegueira sobre a vida, e principalmente quanto ao tempo.
Nas cenas em que Morte passa buscando as almas humanas, todas sempre pedem mais um pouco de tempo, tempo pra se despedir, tempo para fazer algo importante que deixaram pra trás até aquele momento. E a morte suavemente diz: “Vamos, é preciso ir agora. Não há mais tempo”.
A morte, ao contrário das descrições sombrias ocidentais, neste HQ, é retratada de forma totalmente diferente. O enredo da história inclusive é do ponto de vista de Sonho, um dos sete perpétuos, a representação antropomórfica do sonho, inicialmente preso por um grupo de humanos que almejava prender sua irmã mais velha, Morte, para que se tornassem imortais, mas falham e capturam sonho.
No episódio 6 da primeira temporada, recebemos o primeiro contato com a Morte, irmã mais velha do Sonho, que é interpretada pela atriz negra britânica Kirby Howell-Baptiste. Conforme somos apresentados, a Morte, que já existia no início do mundo e existirá no final, transporta os falecidos para o seu reino com um sorriso e palavras gentis. No contexto da série, ela está sempre disposta a ajudar o Sonho e tenta fazer com que ele entenda melhor as pessoas. A performance comovente de Kirby Howell-Baptiste em ‘Sandman’ vem chamando atenção pelos diálogos humanos, sensíveis e até mesmo filosóficos. Com um apelo empático e extrema compaixão, o episódio que apresenta a Morte e seus desdobramentos no mundo humano é o ponto alto de toda a temporada.
Poderia descrever todo o impacto da história, mas a pergunta que me veio após terminar a 1ª temporada foi: seria possível fazermos tudo que pudermos nesta vida para que quando ela chegue não precisemos ficar pedindo mais um tempinho?
O que eu, você, gostaria de fazer antes da morte? E quando a gente se pergunta isto se entra em uma reflexão séria sobre o sentido do que fizemos, do que priorizamos e do que ainda podemos escolher fazer.
Com esta simples pergunta você entrará provavelmente muito além dos seus desejos imediatos, e terá que encarar a potência da vida. E aí fazemos como na série: desejamos ignorar a existência da morte ou tentar fugir dela fingindo sermos eternos, o que não somos… e fingindo que não sabemos que ela é o nosso único destino.
Em uma ida recente a SP eu entrei em uma loja de HQ e investi na versão física de Sandman com sua irmã morte. Ainda está em cima da escrivaninha esperando o momento certo para mais uma conversa com ela eu ainda viva. E enquanto isto, sigo o plano de não pedir mais um tempinho, e sim viver com intensidade tudo que há pra viver.
E você, o que gostaria de fazer antes de morrer?
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