Beto Guedes canta “Feira moderna, o convite sensual/Oh! Telefonista, a palavra já morreu/Meu coração é novo/E eu nem li o jornal”. Nessa música dos anos mil novecentos e setenta, na parceria do Beto com Lô Borges e Fernando Brandt, tem, segundo os comentários sobre a letra, a referência a uma famosa feira hippie que surgiu em 1969, em Belo Horizonte. Também a telefonista, pra quem se pedia uma ligação à distância, para fora de sua cidade, é coisa que ficou lá atrás.
Mas as palavras numa obra artística não vêm com legenda e especificação de sentido. Pelo contrário, são criadas para terem buracos e possibilidades abertas de significado. E, como resistem ao tempo, são também preenchidas e habitadas pelos significados de cada novo tempo.
É o que me soa hoje na ideia da feira moderna que vivemos atualmente na internet. A rede mundial tem atravessado várias fases. Qual a atual? Parece ser a da venda em massa das ferramentas de venda. Assim como o princípio da plataforma de ter seu conteúdo produzido pelos usuários, agora os anúncios são também feitos por quem consome e cria tudo que vemos, ouvimos e lemos na rede.
A internet tem uma capacidade de espaço para conteúdos que contrasta totalmente com o contexto de comunicação de massa anterior a ela. Antes, tínhamos, na época das tvs abertas, por exemplo, cerca de cinco canais. Eram cinco produtoras de todo o conteúdo televisivo para o país. Jornais, tínhamos algumas dezenas ou centenas. Rádios, uma quantidade maior.
Mas nada se compara à plataforma praticamente infinita da internet. Não teria como, a princípio, ser ocupada por meia dúzia de empresas de comunicação. A estratégia foi transformar todo mundo em criador e produtor de conteúdo. As redes facilitaram a publicação e a visibilidade de cada pequena mensagem.
A plataforma cheia e com audiência constante é finalmente uma mídia atraente para anúncios. Mas, novamente na comparação com o período anterior à internet, agora, com o tamanho da plataforma, não há anúncio que chegue das marcas e empresas tradicionais, aquelas que anunciam nas mídias TV, rádio, jornal, para dar conta. Assim, para ocupar essa infinidade de espaços disponíveis, as ferramentas de criação e veiculação de anúncios estão sendo popularizadas. Logo, logo, todo mundo vai ter algo para vender. Seja um produto, um curso, um show, ou mesmo um método de como usar isso tudo.
É a feira moderna onde todo mundo é feirante e consumidor.
E encerro aqui com o poema que dá título ao meu livro O Menos Vendido, editora Nankin, 2006:
O MENOS VENDIDO
Custa muito
pra se fazer um poeta.
Palavra por palavra,
fonema por fonema.
Às vezes passa um século
e nenhum fica pronto.
Enquanto isso,
quem paga as contas,
vai ao supermercado,
compra sapato pras crianças?
Ler seu poema não custa nada.
Um poeta se faz com sacrifício.
É uma afronta à relação custo-benefício.