Os recentes eventos de maio de 2024 expuseram a fragilidade do Rio Grande do Sul frente aos impactos da mudança do clima. Provocaram um impacto de proporções épicas, deslocando mais de 600 mil pessoas e causando prejuízos econômicos ainda em avaliação. A migração de pessoas, empresas e indústrias é um risco real que precisa ser enfrentado com medidas urgentes e eficazes. Ou seja, além da dor e do sofrimento imediatos, surge a preocupante perspectiva de uma migração de pessoas, estabelecimentos comerciais e indústrias para outros municípios e estados, buscando refúgio em regiões menos afetadas pelo “novo normal”.
Entre os fatores que podem impulsionar este movimento migratório estão a perda de moradias e dos meios de subsistência. Os eventos geraram muitos danos estruturais, deixando milhares de gaúchos sem casa e sem trabalho, especialmente nas áreas rurais. A retomada da vida nesses locais pode tornar-se um processo lento e incerto, levando muitos a buscarem oportunidades em outros lugares.
A insegurança alimentar, resultado da devastação das plantações e a interrupção da logística de escoamento agrícola, colocam em risco a segurança alimentar de parte da população, especialmente em comunidades de baixa renda, uma vez que as iniciativas de doações de alimentos tendem a reduzir o volume recebido de todos os estados e de fora do país. A falta de infraestrutura básica, como estradas, pontes, redes de energia, telecomunicação e saneamento tem um enorme impacto.
A demora na reconstrução e a falta de agilidade na alocação de recursos podem levar os moradores e as empresas a buscarem locais com melhor infraestrutura e qualidade de vida. Além disso, ainda tem-se os impactos psicológicos, já que o trauma dos eventos e a incerteza sobre o futuro podem agravar ainda mais a situação, aumentando casos de ansiedade, depressão e outros transtornos. A busca por apoio social e melhores condições de saúde mental também é um fator que pode impulsionar a migração.
Há vários riscos, como o êxodo de mão de obra (a perda de mão de obra qualificada pode prejudicar a competitividade, afetando diversos setores da economia); a desaceleração do crescimento econômico do estado, com a redução da arrecadação de impostos, o fechamento de empresas e a diminuição da oferta de bens e serviços; e o aumento das desigualdades, concentrando a pobreza nas regiões mais afetadas pelos eventos climáticos extremos e diminuindo as oportunidades para aqueles que optarem por permanecer.
Os desafios e possibilidades abrangem inúmeras ações emergenciais. É crucial garantir o fornecimento de moradia digna, alimentos, água potável e atendimento médico à população afetada, agora e provavelmente por um período maior do que se supõe. A reconstrução da infraestrutura deve ser feita de forma sustentável, utilizando materiais resilientes e tecnologias que minimizem o risco de novos eventos. O apoio à retomada econômica precisa prever programas de incentivo financeiro, linhas de crédito e apoio técnico, instrumentos essenciais para auxiliar as empresas (notadamente as micro e pequenas) e os trabalhadores na retomada de suas atividades.
E não se pode eixar de mencionar a importância do investimento em prevenção, como criação de sistemas de alerta, monitoramento climático, mapeamento de áreas de risco e elaboração obrigatória de planos de contingência em todos os municípios, independentemente de terem sido ou não impactados. Isso é crucial para reduzir a vulnerabilidade de cada município e do estado a futuros eventos climáticos, que serão mais intensos, como demonstram os resultados de simulação de cenários. Políticas públicas podem ajudar a criar oportunidades em diferentes partes do estado, diminuindo a necessidade de migração por motivos econômicos.
Logicamente, este texto é apenas um ponto de partida para a discussão sobre o tema, sendo fundamental aprofundar a análise, considerando diferentes perspectivas e dados concretos sobre a migração no Rio Grande do Sul. A quem possa parecer “paranóia”, transcrevo um trecho da matéria divulgada em 14/06/2024 em GZH, sobre como Caxias do Sul se organiza para receber cerca de 25 mil famílias que podem migrar para o município e outras cidades da região, como Farroupilha, Flores da Cunha e São Marcos. “A cidade que, de acordo com o Centro de Atendimento ao Migrante, recebeu no ano passado 4,8 mil pessoas tem o desafio de atender uma demanda que só cresce”. Outro ponto de atenção é possibilidade de uma eventual “guerra fiscal” entre alguns municípios para atrair indústrias. Isso já está acontecendo.
Marcos Leandro Kazmierczak é engenheiro florestal (UFSM), mestre em Sensoriamento Remoto (INPE), doutor em Eventos Extremos (UNESP/CEMADEN), especialista em modelagem espacial e simulação de cenários climáticos futuros, especialista sênior no Projeto de Concepção do Arranjo Institucional e Operacional para Gestão de Risco de Desastres no Estado do Rio de Janeiro (Contrato Banco Mundial/SEPLAG-RJ 9/2013).
Foto da Capa: Bruno Peres / Agência Brasil
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