Se fizermos esta pergunta para a população brasileira, eu acredito que a maioria dirá que o ser humano é mau na sua essência, dado a existência de tantas maldades que tomamos conhecimento. Se analisarmos o comportamento de determinados grupos de pessoas que defendem seus interesses e suas ideias como a verdade absoluta, tenderemos a concordar que o ser humano é egoísta e intolerante.
No episódio 68 do Podcast Elefantes da Neblina (1) são feitos comentários sobre o livro “HumanKind: A Hopeful History” (2), de Rutger Bregman, no qual o autor apresenta dois cenários. No “Cenário A”, ocorre a queda de um avião e o comportamento dos poucos sobreviventes é o tal “salve-se quem puder”, eles pisam uns nas cabeças dos outros e lutam pelos alimentos e remédios encontrados. No “Cenário B”, ocorre a queda do mesmo avião e os sobreviventes colaboram uns com os outros e socorrem os feridos. Vamos considerar que os sobreviventes fossem brasileiros, na sua opinião, qual seria o cenário mais provável, o do salve-se quem puder ou o da solidariedade?
Os relatos de quedas de avião com sobreviventes mostram que predominou a solidariedade. Em diversas outras tragédias, o ser humano mostrou o seu lado bom. Alguém poderá dizer que somos solidários nas tragédias e egoístas nas atividades do cotidiano. Que é mais fácil socorrer vítimas de uma tragédia do que ser educado no trânsito ou na fila do supermercado. Talvez tenha razão, em geral, nós brasileiros tendemos a querer levar vantagem nas atividades do dia a dia. Furar a fila e desrespeitar os outros é considerado “normal” na nossa cultura.
As eleições presidenciais de 2022 apresentaram uma nova versão do comportamento de parte dos brasileiros, que é o tal de “não concordo, portanto, não aceito!”. Não concordar com a lei e com os resultados das urnas, sem nenhuma suspeita de fraude ou irregularidade no processo eleitoral, passou a ser considerado um “direito de expressão”. Quem não gosta do candidato eleito se sente no direito de pedir intervenção militar para impedir a sua posse. As crianças e adolescentes estão reproduzindo nas escolas os xingamentos e os preconceitos dos pais. Este comportamento vem da essência dessas pessoas ou é resultado da cultura?
Minha opinião, esses comportamentos são infantis, semelhante às crianças que choram quando querem o “brinquedo do amiguinho” ou quando não aceitam perder. Adultos que se comportam dessa maneira são pessoas carentes, amedrontadas ou frustradas. O que estamos vivendo hoje é o resultado de um processo de adoecimento de uma sociedade que nos últimos anos migrou das relações presenciais com poucos amigos para relações virtuais com milhares de seguidores. Vivemos a época do “capitalismo da atenção”, quem tem mais atenção, mais seguidores, se sente rico e poderoso. Nas relações virtuais é mais fácil de brigar e humilhar os outros, não existe o filtro que nos colocamos quando olhamos nos olhos da outra pessoa e percebemos a sua reação. Não acredito que nos tornamos seres inescrupulosos como as que aparecem nas redes sociais dizendo barbaridades.
Uma sociedade saudável, com pessoas equilibradas emocionalmente e realizadas consigo mesmo, não iria criar fantasias e acreditar nelas. Óbvio que isto não ocorre por acaso. Existem estrategistas que exploram, para fins comerciais ou políticos, as frustrações de milhões de pessoas que não conseguem ter o corpo que desejariam, que não conseguem viver como gostariam e que levam uma vida diferente da que elas mostram nas redes sociais. Os filtros enganam os outros, mas não ao espelho. Criam fantasmas e ameaças que nunca existiram. Como se livrar de toda essa angústia? A maneira mais fácil é colocar a culpa em alguém. Ao “encontrar o culpado”, a pessoa se sente aliviada.
Segundo a OMS (3), em 2021 o Brasil só perdeu para os EUA em número de pessoas depressivas, e assume o primeiro lugar em casos de ansiedade. Talvez o maior desafio da próxima década não seja o combate à fome, mas sim o tratamento da saúde mental e emocional de milhões de brasileiros. Existem muitas estratificações nos 8 bilhões de seres humanos, mas somos todos seres de luzes e sombras e, dependendo das condições, podemos ser bons ou maus. Eu acredito que, na nossa essência, somos bons. Como sociedade, precisamos encontrar um meio de nos reconciliarmos ou prevalecerá o cenário do salve-se quem puder. O avião caiu e nós somos os sobreviventes, vamos socorrer os feridos.
Referências:
- Elefantes na Neblina – Episódio 68 – Estádios de Consciência. 26/10/2022.
- HumanKind: A Hopeful History – Rutger Bregman, Erica Moore e outros, 2021.
- Ministério da Saúde