Morreu ontem pela manhã, vítima de enfarte, o jornalista Carlos Machado Fehlberg. Aos 88 anos, Fehlberg levou consigo uma parte importante da história política e jornalística do Rio Grande do Sul, uma trajetória de quase sete décadas em que ele foi testemunha de algumas das mais importantes mudanças ocorridas no Estado.
Convivi pouco com ele, menos de um ano, quando eu começava como repórter e ele era o poderoso editor-chefe de Zero Hora, o segundo na hierarquia, logo atrás de Lauro Schirmer. Já os conhecia pela proximidade de ambos com os meus pais, de quem foram colegas em outras redações. Mas dos oito meses em que estive subordinado aos dois, a imagem que ficou foi a de que eles pareciam jogar em completa afinidade, com Lauro se responsabilizando pelos editoriais e pelo relacionamento da redação com a direção, e Fehlberg se encarregando do dia a dia, acompanhando todas as etapas de produção e quase sempre ficando na redação até de madrugada, com o jornal do dia seguinte já rodando.
Era um rato de redação. Gostava e entendia de tudo aquilo. Misterioso, de poucas palavras, escrevendo sua coluna usando apenas um dedo para teclar, Fehlberg era uma inesgotável fonte de folclores. Uma das histórias mais repetidas garantia que ele andava com sanduíches no bolso do paletó para que pudesse se alimentar sem precisar abandonar a redação, seu habitat natural.
Médico formado, nunca ouvi nenhum relato de que tenha clinicado alguma vez. Era, sim, um especialista em política e o que todos confirmavam é que tinha boas fontes, desde o tempo em que começou no Jornal do Dia e, logo depois, na Última Hora, diário que existiu até 1964 e antecedeu a Zero Hora. Conservador, Fehlberg deixou a imprensa diária em 1969 atendendo a um convite do general Emílio Garrastazu Médici para ocupar o cargo de secretário de imprensa da Presidência da República, ficando na função até o fim do mandato presidencial, em março de 1974.
De volta a Porto Alegre, reassumiu o posto na ZH e, como editor-chefe, comandou a redação até maio de 1991. Naquele ano, Zero Hora vivia momentos frenéticos. Nelson Sirotsky se preparava para assumir a presidência, Jayme Sirotsky, seu tio, deixava o comando e todas estas alterações se refletiam no centro nervoso da empresa: a redação. Até porque havia a intenção – já muito comentada nos corredores – de substituir Lauro Schirmer, que há mais de duas décadas estava à frente do jornal.
Na bolsa de apostas, Fehlberg era o nome natural e acabou sendo confirmado. Porém, durou poucos meses no cargo. Em novembro de 1991, seis meses depois de ter sido entronizado como diretor de Redação, Fehlberg foi afastado pela direção, convidado a assumir a chefia do Diário Catarinense, em Florianópolis. O caminho em Porto Alegre, assim, ficaria aberto para a vinda de um novo diretor, trazido de São Paulo e com ideias bem diferentes das que até então eram aplicadas em ZH.
Soube por relatos de pessoas próximas a ele que Fehlberg se ressentiu. Sem mágoas, sem alarde, aceitou a nova função e foi fazer em Santa Catarina o que sabia fazer bem-feito em qualquer lugar: jornalismo. Consta ainda – numa daquelas histórias muito comentadas – que ao ser chamado pela direção a escolher entre Buenos Aires (onde a RBS teria planos de expansão nunca confirmados) ou Santa Catarina (menos importante do que a ZH, logicamente, mas já com uma boa estrutura), Fehlberg teria optado imediatamente pelo estado vizinho, fazendo referência a um ministro do então presidente Collor que havia sido esvaziado politicamente ao ser convidado a abandonar um ministério importante em troca de uma pasta recém-criada voltada para o Mercosul e que nunca chegou a mostrar sua relevância.
Fehlberg morreu devendo um livro, com estas e muitas outras histórias. Do que sei, deixou apenas dois relatos de maior fôlego. Um como anexo do livro 1966 – A Conciliação Impossível, de Elmar Bones, sobre a candidatura de Ruy Cirne Lima ao governo do Rio Grande do Sul, e outro uma longa entrevista/depoimento ao livro No Planalto com a Imprensa – Entrevistas de Secretários de Imprensa e Porta-Vozes: de JK a Lula. Neste último depoimento, Fehlberg prometia: “Estou escrevendo um livro por encomenda. Nele pretendo aprofundar-me, relatando, de forma mais sistemática, o quadro da época, e até mesmo algumas circunstâncias pessoais vividas por mim, até hoje não reveladas”.
Tomara que este texto exista e possa ser recuperado e publicado.