“A vida tem sido cada vez mais difícil. E a realidade atropela os sonhos. Seguir sonhando exige força”
A gente, mulher, é criada para a contenção, “cruze as pernas”, “não fale alto”, “não gargalhe”, “seja delicada”, “seja educada”. E assim vamos sendo domesticadas para nos comportar de maneira que ninguém se sinta agredido/a ou assustado/a por nossa causa, todos esperam que o nosso propósito seja o de manter a paz e o cuidado dos ambientes que ocupamos em detrimento das nossas emoções, sonhos e vontades, seja no espaço familiar, de trabalho ou social.
E essas emoções, sonhos e vontades são enterrados tão fundo que a gente esquece ou nem tem coragem de lutar por elas, na maioria das vezes substituindo por vontades de nossos maridos, filhos e filhas, netos e netas, outras pessoas, dificilmente a gente mesma.
A desigualdade salarial continua ruim
Esta semana foram divulgados dados pelo Governo Federal de que a participação das mulheres aumentou no mercado de trabalho, mas que as desigualdades salariais persistem, com elas ganhando, em média, 20,9% a menos que os homens, apesar de Lei promulgada a esse respeito no país.
Um fato positivo e outro negativo
Se há um fato positivo nos dados levantados, há que se apontar o crescimento no número de mulheres negras no mercado de trabalho, que passou de 3,2 milhões para 3,8 milhões de mulheres negras empregadas. Porém (sempre há um), o salário médio delas é o menor entre as mulheres, em especial se comparado com o de homens brancos. Como sabemos, as interseccionalidades precisam ser consideradas.
O Sul e Sudeste não são o que parecem
Outra informação que achei interessante a respeito é quanto ao “ranking” dos estados com maior e menor diferença salarial entre homens e mulheres: O relatório revela que as menores desigualdades salariais do país estão em Pernambuco (9,14%), Acre (9,86%), Distrito Federal (9,97%), Piauí (10,04%), Ceará (10,21%) e Alagoas (11,08%). Na outra ponta, estão os estados do Paraná (28,54%), Espírito Santo (28,53%), Santa Catarina (27,96%) e Rio de Janeiro (27,82%). Pois é, as maiores desigualdades estão nas regiões Sul e Sudeste, ditas mais evoluídas, enquanto que as menores estão nas regiões Norte e Nordeste. Não entrei nos detalhes e meandros dos dados para poder arriscar palpites, mas fica a pulga na minha e deixo na orelha de vocês também. Por que será?
Existe um guia. Alguém se guia?
Com a finalidade de apoiar empresas e sindicatos a cumprir com a Lei de Igualdade Salarial, o Governo lançou o Guia de Negociação Coletiva da Lei de Igualdade Salarial. Uma iniciativa importante, pois quando se fala no assunto, apesar de tratarmos de “Igualdade Salarial”, a questão não se resolve apenas com dinheiro. Para que exista igualdade salarial entre homens e mulheres, é necessário que também exista uma mudança estrutural na nossa sociedade, como por exemplo a compreensão de que a responsabilidade do cuidado não é apenas da mulher (que é colocada nesse papel na família, no grupo de amigos e no trabalho), mas que deve ser compartilhada entre todos, inclusive em termos institucionais.
É essencial nos darmos conta de que, para esta realidade se concretizar, é preciso que medidas outras sejam tomadas além das econômico-financeiras, tais como capacitação de lideranças, licença paternidade, espaço de acolhimento e respeito para o exercício da maternidade (é sabido que happy hours em horários que mulheres buscam os filhos na escola impossibilitam, muitas vezes, a promoção dessas para cargos mais altos em detrimento de homens). Também creches e local para amamentação são exemplos), etc. Pois o que vem ocorrendo é que somos o 2º país em casos de burnout no mundo, sendo que as mulheres representam 72% dos casos de saúde mental atendidos no SUS e 64% dos afastamentos por causa de transtornos mentais do INSS.
Preconceito com a maternidade?
Às vezes, o sentimento que me atravessa é de que existe um preconceito com a maternidade. Afinal, há a vida acontecendo, a carreira que queremos seguir, os estudos que gostaríamos de cumprir, os boletos que precisam ser pagos, a vontade de viajar, o apartamento que queremos comprar… Em muitas mulheres existe a vontade de ser mãe e há um discurso consolidado na sociedade de encorajamento para a mulher ser mãe, engravidar, de que essa é uma missão sagrada, fundamental para a sociedade, coisa e tal. Mas cadê a estrutura para que essa maternagem ocorra, frente à vida que acontece? No momento em que a mulher decide ser mãe, a sociedade vira as costas e diz: toma, que o filho é teu. Tem consulta médica? O filho está doente? Precisa amamentar? Tem apresentação na escola? Isso é problema seu. Creche na empresa? Sala para amamentar? São despesas altas demais. Mimimi. Frescura. Então, fica tão difícil querer ser mãe. Ainda mais no mundo de hoje, cada vez mais cheio de crises. Tão solitário para a mulher, que é uma vontade que, quando começamos a pensar mais seriamente, logo passa.
Qual foi seu sonho quando criança? Qual é seu sonho hoje?
Recentemente, a Think Olga lançou O Sonho Delas, um estudo nacional com mulheres de 18 a 80 anos para conhecer os sonhos delas, e uma mensagem unânime delas é de que “a vida tem sido cada vez mais difícil. E a realidade atropela os sonhos. Seguir sonhando exige força”. Como discordar, né?
Desse estudo, que você pode ter acesso a ele num dos links ao final desse texto, gostaria de salientar os seguintes aspectos:
· O principal sonho entre todas as faixas etárias estudadas é viajar, fazendo um contraponto com a exaustão com que a mulher se vê colocada no cotidiana, sobrecarregada em todos os aspectos da sua vida para dar conta. Cheia de regras para se conter, cuidar e carregar o piano, deixando-se em último lugar, quando consegue se olhar.
· Na sequência, o sonho de independência financeira, que vai ao encontro desta luta que permeia a vida inteira da mulher de se manter estável e próspera financeiramente, sem conseguir. Não à toa, na Pandemia foi o grupo que mais sofreu e que ainda não chegou ao mesmo patamar de emprego. Curiosamente, no grupo 50+ o sonho financeiro é substituído pela saúde e bem-estar, talvez pelo entendimento prático de que nesse tempo que lhe resta, o bem maior não está mais na questão econômica que não conseguiu construir.
· Família, filhos, casamento, carreira e estudo são valores claramente geracionais. Na medida em que nas mais velhas os valores mais tradicionais, como casamento, filhos e família adquirem maior importância enquanto que conforme as idades diminuem, essa importância diminui para que carreira e estudo aumentem.
· Por trás de todos esses fatores acima, podemos ler que há um grande desejo não escrito de liberdade, seja quando se trata de possuir independência financeira, viajar ou não estar presa a instituições como família e casamento. Há uma vontade de estar conectada a si mesma, ser dona da própria vida, o que não se leia aqui como egoísmo para não ser mal interpretada.
Há uma fala no estudo que penso que resume bem o que acima apresento: “Hoje os meus sonhos são ter humanidade, poder ser feliz, ter direito ao descanso e ter liberdade para fazer as escolhas que eu quero. Ter paz nas escolhas. É isso que eu tenho buscado. Ter paz nas minhas escolhas é não ser julgada por um sistema que me oprime. De ter a liberdade de ser ambiciosa e ao mesmo tempo querer viver uma vida mais leve. Eu acho que essa liberdade está em entender minha própria dualidade e as coisas que me atravessam, sendo uma mulher negra.”
Mas o que seria a vida sem sonhos? Como outra entrevistada da pesquisa declara, “se a gente parar de sonhar, a gente para de viver. É como se você olhasse para o mundo e ele fosse preto e branco. Os sonhos fazem a vida ficar colorida”. Então, sonhemos com um mundo mais inclusivo para todas as mulheres.
Outras Fontes consultadas:
Think Eva
Todos os textos de Karen Farias estão AQUI.
Foto da Capa: Gerada por IA.