Não é de agora e nem apenas no País o cerco às supremas cortes. O Brasil vive essa situação desde 2019 quando Jair Bolsonaro assume a presidência da República. Os momentos agudos são cíclicos, seguidos de poucos de distensão. As ameaças ao Poder Judiciário são perenes. Agora, quando o segundo turno da eleição presidencial ameaça com derrota, o presidente volta-se de forma explícita e ofensiva com sua antiga ladainha: voto auditável (que já é), urnas não confiáveis (está provado que são). E ameaça em alterar a composição do Supremo Tribunal Federal, definida por cláusula pétrea da Constituinte de 1988 e basilar para a estabilidade da democracia e das instituições. A intenção, o próprio Bolsonaro admite, ocorrerão se concretizada sua reeleição.
A intenção de aumentar de 11 para 16 o número de ministros do Supremo mina a composição do tribunal, bolsonarizando-o. O risco de abertura de processos de impeachment contra magistrados também aumenta com a eleição de um Senado mais alinhado a idéias da extrema direita. O apoio parlamentar do atual presidente, porém, não esperou nem a posse do novo Congresso em fevereiro de 2023. À frente da Câmara, Arthur Lira fez tramitar projetos que podem censurar e até criminalizar os institutos de pesquisa. A iniciativa ocorre após os levantamentos de opinião das vésperas do primeiro turno terem subestimado o desempenho de Bolsonaro. Os questionamentos ao sistema eleitoral, por sua vez, estão em banho-maria. A auditoria das Forças Armadas feita nas urnas eletrônicas sequer teve resultado divulgado. Segundo notícias de bastidores, o presidente mandou segurar o relatório porque nele não há indícios de que tenha havido qualquer anormalidade na votação de 2 de outubro. A fiscalização fardada, mesmo completamente estranha às atribuições constitucionais dos militares, será repetida dia 30.
Eleito senador em 2 de outubro, junto com diversos outros nomes ligados ao bolsonarismo, o vice-presidente Hamilton Mourão (Republicanos-RS) afirmou pretender discutir reformas no Supremo Tribunal Federal: aumento do número de ministros, abertura de processos de impeachment contra eles, definição de mandatos mais curtos, além de limitações a decisões individuais. A fala do general da reserva, ao canal GloboNews, assim como comentários do presidente Jair Bolsonaro, alimentou receios de que um Senado ideologicamente alinhado ao atual presidente possa. Começaria, assim, um processo de ‘venezuelização do Brasil’, com a ampliação dos poderes do chefe do Executivo a partir do controle da cúpula do Judiciário, em caso de reeleição de Bolsonaro.
As propostas
As eleições de 2 de outubro de 2022 renovaram um terço do Senado. Elegeram diversos nomes do “bolsonarismo-raiz” e transformaram o PL, partido de Bolsonaro, na maior bancada da casa legislativa. Isso significa que, caso seja reeleito, Bolsonaro terá maior apoio entre os senadores do que teve no primeiro mandato para fazer avançar propostas legislativas do seu interesse. Algumas delas dizem respeito a mais alta corte do país.
Com mais nomeações, Bolsonaro não descartaria apoiar uma proposta de ampliação do número de cadeiras no Supremo, composto atualmente por 11 ministros. Ele disse isso à revista Veja. No final de 2021, outra proposta para que Bolsonaro aumentasse sua capacidade de colocar aliados no Supremo chegou a avançar na Câmara, embora não tenha chegado ao plenário. Tratava-se de uma PEC (proposta de emenda à Constituição) para baixar a idade de aposentadoria no Judiciário de 75 para 70 anos, o que forçaria a saída antecipada de ministros do Supremo ainda no primeiro mandato de Bolsonaro, entre eles a nova presidente do Supremo, Rosa Weber, que antes do fim deste mandato, ao completar 75 anos, deixará compulsoriamente a corte.
Uma terceira maneira de alterar a composição do Supremo seria definir mandatos com tempo pré-determinado para os ministros, como levantado por Mourão. No Brasil, os ministros só precisam deixar o cargo pela aposentadoria por idade, independentemente de quando tenham ingressado. O modelo é semelhante ao dos EUA, onde os assentos na Suprema Corte são vitalícios sem limite de idade.
A “venezuelização” está em curso. Bolsonaro exige lealdades dos dois indicados que tem na Suprema Corte, embora os ministros tenham a função de controle dos atos dos outros Poderes, quando provocado. O termo se refere ao fato de que, na Venezuela, a maioria parlamentar chavista (Hugo Chavez) conseguiu primeiro ampliar e depois reduzir o número de cadeiras no Tribunal Supremo, de forma a garantir a nomeação de aliados e depois a permanência apenas deles. Assim, o tribunal deixa de exercer suas funções com independência, e o presidente passa a atuar como quiser, mesmo que fora dos limites constitucionais. Este caminho foi seguido por outras autocracias, como na Polônia e na Hungria. O mesmo aconteceu no Brasil na década de 1960, na ditadura militar.
Viabilidade numérica
Na campanha à reeleição, Bolsonaro demandou de seu partido prioridade à conquista de assentos no Senado, onde enfrentou dificuldades no primeiro mandato. O PL teve sucesso na missão, conquistando 8 novas cadeiras, contra as 4 alcançadas pelo PT de Lula. Entre os eleitos pelo partido de Bolsonaro estão nomes como o do ex-deputado Magno Malta (ES), bolsonarista radical, e o de ex-ministros do atual governo: Marcos Pontes (SP), da Ciência e Tecnologia, e Rogério Marinho (RN), do Desenvolvimento Regional. Com as vitórias, o PL terá 14 senadores, seguido pelo PSD, com 11.
O MDB, que sempre teve a maior bancada desde a redemocratização, fica na terceira posição junto com o União Brasil, com 10 cadeiras cada, seguidos por PT (9), PP (6), Podemos (6), PSDB (4), Republicanos (3) e PDT (3). Cinco outros partidos contam com um representante cada. Esses números ainda podem mudar, a depender do retorno de senadores titulares que atualmente estão exercendo outras funções ou concorrendo às eleições.
Um debate tenso e a assessoria de Sergio Moro
Tensão. Acusações e ofensas. Mentiras. Perigosa aproximação física, cara a cara. Assim foi o debate de domingo promovido pela Rede Bandeirantes de Televisão e que inovou na forma. Os candidatos tinham liberdade de andar pelo palco, saindo dos tradicionais púlpitos, aproximando-se e afastando-se. Bolsonaro administrou melhor outra novidade do evento: o uso dos 15 minutos finais do tempo de cada um dos três blocos. Descontando as falas, Lula demorou-se nas respostas e deixou a Bolsonaro 6 minutos finais de uma fala, sem contestação.
De resto, foi mais do mesmo. Com um formato em que os participantes decidiam a pauta na maior parte do tempo, Lula e Bolsonaro tentaram impor seus temas de preferência. O ex-presidente apostou na pandemia de covid-19 e saiu-se melhor no primeiro bloco do debate, mas depois Bolsonaro equilibrou o jogo, especialmente ao explorar a questão da corrupção. Lula parece constrangido ao explicar casos de seus governos.
Ao discorrer sobre corrupção, Bolsonaro recebeu ajuda nos intervalos do ex-juiz Sergio Moro (União Brasil), integrado à equipe. Foi a grande surpresa da noite. Estava ao lado do presidente quando a câmera da Bandeirantes abriu o quadro para mostrar o ex-ministro ao lado do ex-chefe. Senador eleito pelo Paraná e ex-ministro municiou o chefe, com quem rompera, de dados e informações. Um dos filhos, o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) também orientou o pai com dicas para andar pelo cenário e olhar para as câmeras.
A estratégia do PT, horas antes do evento, vinculou Bolsonaro a pedofilia, reproduzindo uma fala dele que diz que “pintou um clima” com “menininhas de 14 e 15 anos”. Bolsonaro afirmou que Lula e aliados são “especialistas em pegar vídeos” e editá-los para atacar. O petista riu e rebateu, dizendo que é o lado do presidente que adota essa linha e distribui fake news.