Toda tragédia deixa legados. No dia 14 de janeiro de 2024 a Defesa Civil avisou que um forte temporal iria atingir a cidade de Porto Alegre. Na noite de 16 de janeiro o temporal chegou como previsto, destelhando os prédios, arrancando árvores e derrubando postes de energia. Na manhã do dia seguinte a cidade estava um caos, ruas interrompidas, semáforos sem funcionar e 1,2 milhão de pessoas sem energia.
No segundo dia a situação se agravou, pois começou a faltar água, embora tivesse água em abundância, faltava era energia para bombeá-la. A concessionária municipal de água informou que aumentaria os seus custos se instalasse geradores nas estações de bombeamento.
No terceiro dia se intensificaram os protestos por toda a cidade contra a falta de energia, pois a distribuidora de energia, privatizada para aumentar a eficiência no setor, tinha o compromisso de em 24 horas restaurar a prestação do serviço, mas não dava previsão de quando isso iria acontecer. Havia protestos em bairros de classe média, onde se via idosos arrastando galhos para o meio da rua e pessoas indignadas fazendo barreiras no meio das avenidas. No quinto dia, ainda existiam 40 mil residências sem energia. Vereadores solicitaram uma CPI para investigar a prestação dos serviços desta empresa.
O que aprendemos e que lições ficam deste temporal? Podemos dividir em diferentes níveis:
– Político – nas próximas eleições, pergunte para os seus candidatos a vereador e prefeito qual a opinião deles sobre as mudanças climáticas e o que pretendem fazer para preparar sua cidade para os eventos extremos?
– Os setores público e privado, mesmo sabendo com antecedência, parece serem pegos de surpresa quando eventos extremos acontecem.
– O comportamento humano é egoísta e mesquinho. Vou ilustrar com o exemplo de um condomínio que instalou um pequeno gerador para abastecer a geladeira e o freezer do salão de festas para que os moradores pudessem fazer uso compartilhado, além de abastecer uma tomada por andar, destinada a abastecer os celulares dos moradores. A iniciativa parecia ótima, porém, o síndico constatou que tinham moradores utilizando esta tomada para passar roupas, outro que usou uma extensão para ligar a sua geladeira e outros usos indevidos. Acredito que este caso não seja exceção, a cultura dos brasileiros ainda é muito egoísta nestas situações. O mesmo ocorre quando é solicitado para que economizem água, isto soa aos ouvidos dos moradores como “acumule água e faça uso do que puder porque vai faltar!”
Eu lamento compartilhar meu pessimismo quanto à expectativa de que novos eventos extremos venham a acontecer em breve em Porto Alegre e no Brasil. Penso que é hora de nos adaptarmos e aprenderemos a conviver com esta nova realidade. Agindo como agimos hoje, numa crise mais prolongada, nossas cidades irão colapsar.
O que podemos fazer? Cobrar das autoridades que tenham planos de emergência e que executem com eficiência. Não podemos esperar só pelo poder público, precisamos criar nossas redes de solidariedade. Eu mesmo demorei a me dar conta de que poderia ajudar os amigos e só no terceiro dia fui oferecer banho, espaço na minha geladeira e a máquina de lavar roupa para quem precisasse, pois tive a sorte de ter água e energia na minha casa.
Podemos também nos prepararmos tendo em casa lanternas, filtros de água, power banks, nobreaks e, nos condomínios, pequenos geradores para emergências. Mas, o mais importante de tudo, é desenvolver a cultura da solidariedade e a noção de que ninguém se salva sozinho.
Por outro lado, teve exemplos de cafés e outros estabelecimentos que instalaram “réguas” com várias tomadas para as pessoas ligarem seus celulares e disponibilizaram gratuitamente a internet privada. Vários exemplos de solidariedade vão sendo revelados e que podem ser inspiradores para futuras ações. Se as coisas não funcionam, não adianta ficar de braços cruzados, tem que protestar e buscar alternativas. Como se diz aqui no Rio Grande do Sul: “Não podemos se entregar pros homens, mas de jeito nenhum!”
Foto da Capa: Agência Brasil