Ao ver na manhã de segunda-feira, 06, as primeiras imagens do forte terremoto, 7,8, que sacudiu Turquia e Síria, minha memória emocional fez uma conexão direta e automática com os anos que vivi na Cidade do Mexico. O dia era 19 de setembro de 2017 quando o país tremeu sob um terremoto de magnitude de 7,1. A partir daí, acompanhei os dramas e tragédias pessoais e coletivas que um evento desta magnitude pode gerar, como também a luta, minuto a minuto, dos socorristas e populares em encontrar sobreviventes e salvar vidas no meio de um mar de destruição.
Quando se descobre o poder e a forca que a mãe terra é capaz de gerar em um terremoto, sentimos emoções e sensações inexplicáveis brotarem dentro dos nossos corações e mentes, são segundos e minutos de terror e medo que se vive durante e depois de um evento como este.
Amigos, parentes e colegas sempre me perguntam como foi ter vivido um terremoto na Cidade do Mexico. E creio que a pergunta está muito vinculada ao fato de que no Brasil, de maneira geral, não ter este fenômeno da natureza. Minha resposta é sempre a mesma: durante um terremoto as sensações e emoções nos dão a real dimensão que nós seres humanos temos, ou seja, somos totalmente vulneráveis quando a Pachamama resolve mover-se quer seja por terra, água ou ar.
Talvez seja interessante contar-lhes que em setembro de 2017, no México, aprendi a ressignificar palavras e sentimentos, como também fiz descobertas pessoais e coletivas de emoções e sensações que há muito estavam adormecidas. Fui reapresentada, com toda intensidade, a uma palavra que pensava havia desaparecido do dicionário mundial. Essa palavra mágica foi solidariedade.
Em 2017, os intensos terremotos que atingiram o país, o primeiro em 7 de setembro, considerado o mais forte dos últimos 100 anos, e o segundo, em 19 do mesmo mês, que foi, na realidade uma sequência de dois terremotos, quase dentro da Cidade do México, no dia em que o histórico sismo que destruiu a capital do país completou 32 anos, e 2 horas após a realização do grande treinamento antissísmico anual, reativaram a utilização de outras duas palavras em desuso pelo mundo: esperança e amor ao outro.
Nos dias posteriores aos terremotos, o que vimos nas ruas das cidades mexicanas atingidas foi o enorme trabalho desenvolvido por milhares de socorristas, alguns deles munidos sobretudo de grande vontade de alguma maneira ajudar e apoiar o outro. Alguns desses socorristas eram cidadãos anônimos que simplesmente estavam passando em determinado local ou eram sobreviventes desses mesmos locais, que formaram correntes humanas para retirar paus, pedras, tijolos, ferros, enfim, todo tipo de escombro com o único objetivo de encontrar sobreviventes e salvar uma vida.
Por toda a Cidade do México e nas demais cidades do país, se formaram o que eles chamam de “Centros de Acopio” – que são centros ou locais de recebimento de ajuda solidaria – que foram organizados por instituições públicas, privadas, por clubes, ONGs, parques, vizinhos, ruas, restaurantes, empresas, enfim, todos que desejavam de alguma forma ajudar e apoiar as vítimas dos terremotos. Nesses Centros, muitos voluntários trabalharam, foram criados albergues para receber pessoas que perderam suas casas, organizaram-se grupos para localizar e receber animais perdidos e devolver aos seus donos, além de postos de atendimento médico e psicológico e redes de distribuição de comida aos socorristas e aos desabrigados.
A solidariedade dos residentes no país se somou o apoio de diferentes países no mundo que enviaram suas principais equipes de socorristas para apoiar nas buscas aos sobreviventes. Internamente, diferentes profissionais, engenheiros, arquitetos, psicólogos, médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, advogados etc. se juntaram a população para, dentro de sua especialidade, realizar ações e atividades que pudessem minimizar o sofrimento coletivo.
Na luta que os socorristas empreenderam por todo o país, a cada mão levantada do coordenador da equipe – que simbolizava o pedido de silêncio para permitir a escuta os pedidos de socorro vindos dos escombros e que se transformou em símbolo de luta pela vida – a esperança renascia.
Algo que aprendi nesta experiencia vivida na Cidade do México é que sim podemos e devemos agir e fazer algo para apoiar. E para isto é necessário encontrar muito rapidamente dentro do nós uma energia motora para apoiar no salvamento e na reconstrução das pessoas, das cidades e países. Por conta disto, no Mexico, tive a oportunidade de trabalhar num grupo de apoio às vítimas do terremoto para diminuir o estresse pós-traumático, pois nesta época estava finalizando um mestrado em psicologia. Foi uma experiência única e impactante. Ouvir os medos e traumas das pessoas faz com que trabalhemos com nossos medos e nos reconstruamos.
Nesta oportunidade ímpar, lembro que utilizei algumas vezes uma metáfora: o som do seu edifício movendo e o som da vida em movimento, pois se você pôde escutá-lo, foi a comprovação de que estava em um lugar seguro e controlado. Por que falava isto? Porque se vivemos em um edifício antissísmico, ele é preparado para mover-se e, quando isto ocorre, é um sinal que está cumprindo a sua função e te protegendo. É agradável ouvir o tac, tac, tac das estruturas de um prédio se deslocando em um ângulo antes inimaginável por mim? Claro que não, é aterrador na verdade, mas quando você está escutando este som é sinal de que um objetivo está se cumprindo neste momento e que nós, seres humanos, somos capazes de usar nossa inteligência ao nosso favor e construir estruturas que nos protejam minimamente.
As imagens que temos acompanhado diretamente da Turquia e Síria neste mês de fevereiro de 2023 me fazem pensar que o sentimento de solidariedade volta a acontecer naqueles países ao igual que no Mexico de 2017. Vemos inúmeras pessoas buscarem de sua maneira, ao seu ritmo e da sua forma fazer algo para salvar vidas. Assistimos diferentes países, instituições e organizações internacionais do mundo todo prestarem ajuda e solidariedade não somente verbal e protocolar, mas também enviando médicos, socorristas, cães de busca, equipamentos para resgate, alimentos, água e toda a sorte de apoio que seja possível.
Interessante observar que mesmo com nossos inúmeros defeitos e fragilidades tão típicos da condição de humanos que somos vemos renascer em situações limítrofes, como as que estamos observando, a solidariedade que nos leva a ação concreta de “façamos algo para minimizar a dor dos demais”. E é este sentimento que observo novamente surgir com forca e energia nesta trágica catástrofe que provocou o terremoto na Síria e Turquia.
Ao finalizar este artigo que na verdade nada mais é que uma busca de trabalhar, uma vez mais, com crenças, sensações, emoções e medos, bem como oportunidades e aprendizado, gostaria de registrar que neste mês de fevereiro de 2023, reforça-se no meu coração o significado das palavras solidariedade e esperança. Neste momento de tanta dor e sofrimento, conecto-me com todas as crenças e energias do universo para emanar vibrações positivas pelos que vivem momentos tão complexos e triste como este terremoto de proporções tão grandes. Que solidariedade e esperança de resgatar um maior número de pessoas com vida e reconstruir as regiões atingidas seja uma realidade na Síria e Turquia.
*Monica Cabanas é jornalista e terapeuta. Vem trabalhando nos últimos anos como assessora de clima organizacional para instituições, organismos e grupos em diferentes países. Autora ou coautora de 8 livros, sendo o último infantil “As Aventuras de Nico e Frida”, escrito em quatro idiomas: português, francês, espanhol e inglês. Atualmente, reside em Nyon, na Suíça.