Conservado em formol e guardado dentro de um vidrinho, um dos testículos de Adolf Hitler veio parar em Capão da Canoa no final da II Guerra. A relíquia reapareceu tempos depois no Bairro Bom Fim, em Porto Alegre, na casa de uma viúva. O ano era 1964, e recuperar “o ovo da Fênix” havia se tornado uma prioridade para os admiradores do fûhrer que ainda circulavam livres pelo mundo – inclusive no Brasil. O fim (e o início) dessa história você pode conferir em Pega pra Kaputt! (1977), divertida novela a oito mãos assinada por três escritores e um desenhista – todos bambas: Josué Guimarães, Moacyr Scliar, Luis Fernando Verissimo e Edgar Vasques.
É possível que a inspiração para a trama nonsense de Pega pra Kaputt! tenha vindo de uma história igualmente insólita, porém mais ou menos real, que circulava pelo noticiário internacional em 1977. Naquele ano, um suposto “pênis de Napoleão”, conservado desde a morte do imperador da França, em 1821, foi adquirido em um leilão pelo urologista americano John Lattimer, que arrematou o “pequeno cavalo marinho” por módicos US$ 3 mil. Depois da morte do colecionador, em 2007, a relíquia passou a pertencer à filha dele, Evan Lattimer, e hoje repousa placidamente em New Jersey.
Criaturas especialmente asquerosas parecem fazer sucesso no mercado das relíquias. Em 2009, frascos contendo o que seriam restos do sangue e do cérebro do ditador fascista Benito Mussolini foram leiloados no eBay com um lance mínimo de US$ 22 mil. Como a venda de matéria humana é proibida, a mercadoria foi retirada do site poucas horas depois, antes que qualquer oferta fosse feita.
Mas nenhuma relíquia, real ou fictícia, enfrentou trajetória mais épica e acidentada do que o corpo de Evita Perón – história narrada em forma de romance no best-seller Santa Evita (1995), do escritor argentino Tomás Eloy Martinez. Três anos depois da morte da idolatrada primeira-dama argentina, em 1952, seu cadáver embalsamado desapareceu, removido pelos militares argentinos após o golpe que depôs seu marido, o presidente Juan Domingo Perón. Em seguida, o corpo iniciou um périplo global que durou mais de duas décadas, até finalmente ser depositado no cemitério da Recoleta, em 1976, e encontrar seu destino final como ponto turístico de Buenos Aires.
O anedotário das histórias bizarras envolvendo restos humanos promete crescer, nos próximos dias, com a presença do coração de D. Pedro I no país durante as comemorações do bicentenário da Independência. Não bastasse o caráter macabro e de mau gosto da excursão do órgão ao Brasil (até onde se sabe, contra a vontade do defunto), a fanfarronice do cerimonial em torno da relíquia deve garantir bons momentos de humor involuntário para quem tiver paciência de parar para assistir. Recebido com honras de chefe de Estado por um presidente que não foi capaz de organizar uma celebração mais empolgante para os 200 anos da Independência, o coração que há muito já parou de bater não parece o melhor dos presságios para um governo que agoniza.
A visita da relíquia imperial emula a celebração do sesquicentenário, em 1972, durante o regime militar. Naquele ano, Portugal enviou ao Brasil os restos mortais de D. Pedro I, que circularam por várias cidades brasileiras durante cinco meses, como peça de propaganda nacionalista. Na mesma época, sempre é bom lembrar, cadáveres menos célebres recebiam tratamento bem menos cerimonioso nos porões da ditadura.