Futebol não é apenas jogado dentro do campo. Há toda uma disputa de opinião que se constitui num outro certame. A maioria das afirmações nascem de avaliações apressadas, feitas no calor da emoção causada pela vitória ou pela derrota.
Em caso de derrota, é mais compreensível que, tomados pelo sentimento de perda, não sobre pedra sobre pedra. Que os torcedores detonem o técnico e quase o time inteiro. Mas, o mais curioso, é quando a avaliação é negativa sobre um time vencedor.
Por exemplo, a seleção brasileira de futebol masculino campeã da Copa de 1994 é vista como inferior à de 1982, que não ficou nem entre as quatro finalistas. O Grêmio multicampeão treinado pelo Felipão ganhou fama, alardeada pelo seu próprio treinador, de ser formado por jogadores medianos e esforçados, movidos pela disciplina e exigências de garra e entrega.
Afirmar que Romário ergueu a taça sozinho em 94 é não ver os méritos de Bebeto, companheiro de Romário, seja botando no fundo das redes, seja servindo seu parceiro. É não valorizar um baita goleiro como Taffarel, talvez o melhor de toda a história da nossa seleção, além da marcação dos volantes Dunga e Mauro Silva, a velocidade e qualidade do Cafu pela ala direita, a experiência e precisão nas cobranças de falta do Branco pela esquerda. E desprezar a capacidade do Parreira de montar esse time, mesmo com os dois meias que arrebentaram no Brasil, Raí e Zinho, não rendendo tudo o que poderiam.
O Grêmio vencedor do Felipão tinha jogadores que ainda não eram famosos. Mas, depois que conquistaram os títulos pelo tricolor e saíram, tiveram carreiras sólidas nacional e internacional. Émerson, Jardel, Paulo Nunes, Carlos Miguel, Arce, Róger, Adílson. Todos seguiram atuando por grandes clubes e chegando alguns deles à seleção brasileira. Enfim, não se pode resumir o sucesso em um esporte coletivo a um jogador ou a um treinador. Nenhum treinador faz um bando de pernas de pau serem campeões de vários títulos de grande expressão. Assim como nenhum craque ou mesmo supercraque vence sozinho.
O mesmo debate recai agora sobre o time do Grêmio que foi o vice-campeão brasileiro em 2023. O Brasileirão é um campeonato de pontos corridos. São vinte equipes. Um time precisa jogar contra todos os outros duas vezes, uma no seu estádio, outra no do adversário. Isso dá trinta e oito rodadas. E o nosso calendário costuma colocar os jogos no meio e no fim da semana. Ou seja, joga-se em média a cada três dias.
Vencer nessas condições é dificílimo. É necessário regularidade e um plantel qualificado. Ficar em segundo é um baita resultado para um trabalho. Mas o próprio treinador, Renato, a exemplo de Felipão, deu uma entrevista, depois da última rodada, dizendo que seu plantel era médio, que estava abaixo, em termos de valor da folha salarial, de outros clubes. E desafiava outro treinador a conseguir o mesmo resultado com esses atletas.
A imprensa já embarcou na conversa do Renato e passou a simplificar e atribuir o desempenho todo a Suárez, como um mágico que ganhou os jogos sozinho, e ao Renato, que tiraria leite de pedra.
Mais perspicaz foi o jornalista e youtuber Alex Bagé, que leu a entrevista de Renato como o início da sua argumentação para conseguir uma vantajosa negociação salarial. Estava dizendo aos dirigentes “olha, não foi só o Suárez; eu tenho uma baita responsabilidade nessa história”. E o mesmo jornalista pontuou que, depois do Renato, o presidente do Grêmio, na sua entrevista, destacou a qualidade de vários outros jogadores do time além de Suárez, como Villasanti. Kannemann, Pepê, Carballo, Cristaldo, Ferreira, o lateral João Pedro, além de jovens como Natan Fernandes, Ronald e Gustavo Martins. O subtexto da fala do presidente era, sim, Renato fez um bom trabalho, mas vários jogadores qualificados participaram decisivamente também. A negociação salarial, do outro lado da mesa, estava instaurada.
De minha parte, sou adepto de valorizar o coletivo, que é feito da soma das qualidades individuais. O mérito de Renato foi extrair o melhor que conseguiu do seu grupo. Mas não se extrai bom desempenho de um grupo sem qualidade.
Foto da Capa: Grêmio Oficial