Neste mês, participei de uma experiência única: fui jurado em dois julgamentos no Tribunal de Justiça. Em um deles, talvez um dos mais rápidos da história recente, o veredito chegou em menos de 30 minutos. A própria promotoria, diante da ausência de provas contundentes, pediu a absolvição do réu. E é justamente inspirado nessa experiência que convido você, leitor, para assumir agora o papel de jurado em um novo caso.
No banco dos réus: o transporte individual motorizado.
A vítima: o transporte público coletivo.
As acusações são graves. Apontam o transporte individual como responsável por congestionamentos intermináveis, poluição atmosférica crescente e pelo aumento dos acidentes nas cidades. A promotoria apresenta provas robustas:
- O transporte coletivo perdeu cerca de 45% de seus passageiros nos últimos dez anos no Brasil (Anuário NTU, 2023).
- A frota de motocicletas na Região Metropolitana de São Paulo cresceu 50% entre 2017 e 2023, levando a um salto nos deslocamentos individuais.
- 44% das mortes no trânsito entre jovens de 15 a 29 anos no Brasil envolvem motociclistas.
- Porto Alegre, onde vivo, enfrenta uma redução contínua no número de usuários de ônibus, agravada por um serviço cada vez mais caro, lento e inseguro.
A defesa, no entanto, rebate com argumentos igualmente fortes:
- O transporte coletivo, em muitas cidades, não cumpre mais sua função social: é precário, irregular, desconfortável e, por vezes, perigoso.
- As alternativas de deslocamento coletivo se tornaram impraticáveis para quem depende da agilidade e da eficiência para sobreviver no dia a dia.
- A motocicleta, apesar dos riscos, representa para muitos a única possibilidade concreta de mobilidade digna.
- Tecnologias de otimização, como a adoção da inteligência artificial para a gestão de frota em Porto Alegre, são promissoras — mas seus efeitos ainda são lentos e insuficientes para reverter a atual crise.
E assim, senhoras e senhores do júri, somos levados a uma difícil decisão:
Condenar o transporte individual motorizado por usurpação da mobilidade coletiva? Ou absolvê-lo, reconhecendo que, num sistema falido, ele apenas oferece uma alternativa para quem já não pode esperar por milagres?
E eu, que durante anos defendi ardorosamente o transporte coletivo como melhor escolha social, resolvi comprar uma motocicleta. Cansei de tentar defender o indefensável.
Agora, pergunto a você, jurado: Qual seria o seu veredito?
Rodrigo Vargas é psicólogo, neurolinguista e palestrante sobre a relação do homem com a máquina e suas consequências para o trânsito. Atualmente, é colunista de diversos blogs, sites e portais na área do trânsito e canais de notícias focados em prevenção e educação no trânsito. Membro do spin Nova Mobilidade do POA Inquieta.
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Foto da Capa: Gerada por IA