O Brasil viveu um surto coletivo desde a eleição de Jair Bolsonaro. O Jim Jones do Vivendas da Barra aplicou extraordinariamente o roteiro do fanatismo através das redes sociais. Primeiro, cortou o contato do fanático com as mediações normais da informação: GloboLixo mente, Foice de São Paulo engana você, etc. Entronou os “jornalistas de programa”, definição utilizada por Reinaldo Azevedo para aqueles formadores de opinião bolsonaristas pagos ou rentabilizados para mentir a favor do Mito.
Estabeleceu uma rede orgânica de informação paralela autoconfirmativa, de modo que além de receber a mentira por canais bolsonaristas, essas mentiras ainda faziam sentido num todo da mídia paralela e das redes sociais. A informação chegava no grupo do zap, era confirmada pelo pseudojornalista do You Tube, pelos influenciadores do Twitter, por figuras destacada do Facebook.
Estabeleceu-se uma realidade paralela altamente organizada que transformava a pessoa comum naquela escolhida que tinha tido acesso à informação proibida, dava um status de inteligência para aqueles que nunca tinham brilhado intelectualmente na vida. Seu Jair deu pro gado a red pill que permitia ver o mundo como ele realmente era ao invés da mentira que o mainstream midiático havia vendido por tantos anos.
Junto com tudo isso, a extrema direita criava diariamente sobressaltos sobre a ameaça comunista, venezuelização brasileira, gayzificação de crianças, redes de pedofilia exportando crianças depois de arrancar os dentes para facilitar o sexo oral, universidades com surubas regadas a drogas plantadas no próprio campus, aborto, cassação das liberdades, etc.
Então, apoiar o seu Jair se tornou numa questão existencial para esse gado fanático e manipulado. Minha professora de ginástica chorou na aula seguinte à eleição do Lula. Perguntou sobre o que eu tinha achado da eleição, dei uma resposta vaga, e ela desandou a chorar perguntando o que seria de nós.
Como assim, cara-pálida, o que “seria de nós”? Ela tinha vivido o governo Lula que notoriamente foi um dos melhores presidentes do Brasil em termos de crescimento econômico, pagamento da dívida externa, ampliação do acesso ao crédito e à universidade e, pasmem, tudo com elevada ortodoxia econômica e razoável liberalismo. Quantas pessoas compraram carros, imóveis e se formaram na universidade? Por acaso as crianças foram transformadas em Drag Queens no governo petista? O SUS distribuiu mamadeira de piroca? Alguma vez você viu plantação de maconha e surubas na sala de aula enquanto estava na faculdade?
Este é o grande ponto, no desenrolar da fanatização a própria memória é reescrita, na verdade todos os fatos positivos foram implantados na sua memória pela mídia esquerdistas, então o que você achava bom na realidade era ruim, péssimo e se resumia a um plano para implantar o comunismo.
Daí pessoas até então normais, com formação universitária, passam a ser dirigidas por pessoas medíocres, muitas com notórios problemas mentais, todas com sérios desvios de caráter e movidas por dinheiro. Ex-jogadora de vôlei se torna jornalista, apresentador de programa de auditório com mulheres seminuas, âncora de telejornal, o cara que dizia que punheta matava os neurônios, influenciador famoso do You Tube.
As mentiras passam a vir em borbotões tão intensos que os desmentidos, além de não darem conta de estancá-las, ainda por cima passam desapercebidos ou são remendados por mais mentiras organicamente espalhadas. O gado tem direito aos seus próprios fatos e nem percebe a incoerência que é para quem cultua Brilhante Ustra se ver como defensor da liberdade de expressão.
Aliás, mentir sobre vacina numa pandemia, prescrever charlatanismo entre milhares de mortos, destruir reputações com falsidades passaram a resumir o tal direito de expressão que uma conspiração comuno-satanista quer roubar do cristão-cidadão de bem como primeiro passo para implantação do regime planificado.
O gado também passa por cima do fato daquele ferrenho bolsonarista defensor das crianças contra a ideologia de gênero, gayzificação e sexualização acabar preso depois de se filmar transando com uma menor, ser acusado de estupro e de pedir para os assessores para chupá-los. Vaza foto do caminhoneiro-patriota que denuncia a liberação das drogas como estratégia da esquerda destruir a família cristã-conservadora dando um teco em três listras de pó numa mesa cheia de buchas de maconha e nada.
Tampouco o gado vê incoerência no mega opositor do aborto ter tentado abortar um dos seus filhos; que essa atalaia da família tradicional está no terceiro casamento; que o cara que diz que toda a esquerda é terrorista foi expulso do exército depois de descoberto seu plano para explodir uma adutora; que o impoluto guerreiro contra a corrupção ter tido mais de 100 imóveis, boa parte deles comprado com dinheiro, sendo que a função pública foi seu único emprego; que o defensor radical do liberalismo nunca pisou na iniciativa privada; que aquele que ameaçava atirar uma carteira de trabalho pra espantar petistas passou 27 anos como parlamentar e aprovou dois projetos, trabalhou como presidente uma média de 4 horas diárias e se mais se dedicou a jet-skis e motociatas.
O Jim Jones original levou seus fanáticos para a Guiana pro suicídio coletivo e se matou com eles. Nosso Jim Jones, pelo contrário, surrupiou os presentes ganhos como chefe de estado, fugiu pra Disney e insuflou o gado a ir pedir golpe de estado. Lênin saiu de trem de Zurique rumo a São Petesburgo pra comandar a Revolução Russa, enquanto seu Jair viria de Orlando num avião da Azul adesivado com o Mickey para comandar a Intentona dos Gados.
O estouro da boiada aconteceu no fatídico 08 de janeiro de 2023, quando os gados mostraram que bovina era apenas sua inteligência, não suas atitudes, e atacaram como hienas os prédios dos poderes em Brasília como sinal pro Dia D do golpe militar. Daí o exército não apareceu, e apesar de toda a ajuda da polícia do Distrito Federal, que só faltou distribuir barras de ferro para ajudar os trabalhos, milhares acabaram presos.
Enquanto os vacuns cantavam o Hino Nacional e rezavam naquele galpão de triagem da cadeia, o postulante a ditador passeava na Disney com o dinheiro da venda dos presentes que pertenciam ao Tesouro brasileiro.
A tragédia bovina teve seu último episódio esta semana, quando o primeiro gado foi condenado a 17 anos de cadeia por, entre outras coisas, tentativa de golpe de estado. Mas nem a tragédia anunciada fez os acreditadores da terra plana caírem na real. O primeiro réu foi ser defendido pelo ex-desembargador que havia pedido intervenção militar com base no artigo 142 da CF, atacado ferinamente o relator do processo, ou seja, simplesmente a pessoa mais da galáxia para essa a tarefa.
Não bastasse, a sustentação oral foi minuciosamente construída para lacrar na Internet, atacando os ministros e distribuindo teorias da conspiração que incluíram que tudo não passava de um autogolpe do Lula contra o Lula. Evidente que não passou pela cabeça do advogado-patriota denunciar a lavagem cerebral que tinham feito no seu cliente-gado, que ele foi manipulado num plano de golpe muito maior e mais complexo que a simples invasão. Se isto teria salvado o vacum-réu? Óbvio que não, mas pra quem se filmou dentro do Congresso e postou as imagens pedindo golpe de estado, reduzir a pena é uma hipótese bastante plausível.
Os outros réus julgados pela tentativa de golpe também foram defendidos por advogados-patriotas igualmente fiadores da terra plana que, ao invés de defender seus clientes, preferiram discorrer sobre teorias da conspiração patéticas e atacar os ministros do STF. Pra fechar com chave-de-ouro a tragédia gadística, o advogado-conservador confundiu “O Príncipe” de Nicolau Maquiavel com “O Pequeno Príncipe” de Saint-Exupéry e chamou o governador romano Pôncio Pilatos de Afonso Pilatos (por pouco não envolveu na sustentação o enfermeiro que inventou o método de condicionamento físico que leva seu nome: Joseph Pilates!). O gado defendido pelo advogado do Afonso Pilatos Exupéry Maquiável pegou 14 anos de cadeia.
A advogada do terceiro réu chorou na tribuna. Depois, esclareceu nas redes social que o choro “não é medo, é a tristeza de saber que a sustentação oral não servirá de nada”. Exatamente, o sujeito está pra ser condenado criminalmente e escolhe como advogado alguém que vai pra tribuna chorar por que aquilo “não servirá de nada” e depois parte pra lacrar na Internet. O gado defendido pela emotiva advogada levou 17 anos de cadeia no lombo.
Enquanto os bovinos iam pro abate no STF, a súcia bolsonarista exaltava o trabalho dos advogados, pois, afinal de contas, os objetivos de atacar os ministros do STF e difundir teorias da conspiração tinham sido atingidos com êxito, além do que defender réus que estavam prestes a serem condenados a 17 anos de cadeia não era algo para se perder tempo.
Esses mesmos vagabundos que exaltavam advogados lacradores, que apenas esqueceram de defender os gados-réus, foram aqueles que passaram meses com a ladainha de intervenção federal, supremo é o povo, GLO, artigo 142 da CF, ou seja, foram eles em boa parte que colocaram os lobotomizados na cadeia. Não satisfeitos, ainda exaltam a incompetência dos defensores como se isso fosse motivo de orgulho. Eles seguirão despejando mentiras e teorias da conspiração pra sua manada de lobotomizados e enchendo os bolsos de dinheiro.
Os advogados ganharam likes, lacraram nas redes sociais e se candidatarão nas próximas eleições. Os gados defendidos por eles rezarão pra pneus nos próximos 14 e 17 anos de alguma cela de presídio.
Nosso Jim Jones deu veneno pra todo mundo e no final não tomou. Mas vida de gado é vida de gado.
#Selva