Até parece a anedota da Viúva Porcina, “a que foi sem nunca ter sido”. Pois a pretensão do Exército brasileiro de realizar uma apuração paralela e parcial das urnas eleitorais morreu antes de acontecer. Não foi e parece não será. Os primeiros sinais e até antecipações à imprensa eram de que o Exército reservara 400 soldados e 10 oficiais para o trabalho. Porém, avultou-se a notícia de “as Forças Armadas, pela primeira vez desde a redemocratização do país iniciada três décadas atrás, vão conferir o somatório de votos realizado pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) nas eleições de outubro”. Segundo a reportagem da Folha de São Paulo, os militares acompanhariam os boletins de 385 urnas, ainda não especificadas, com os registros da corte eleitoral.
Vai
O presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, prometera em reunião no dia 31 de agosto que as Forças Armadas teriam acesso direto e em tempo real aos dados brutos coletados pelo Tribunal. A partir daí, militares iriam comparecer às seções eleitorais espalhadas pelo país para fotografar o QR Code de uma amostra de 385 boletins de urna. Em seguida, enviariam essas imagens para o Comando Cibernético do Exército, em Brasília, onde seria feito um trabalho de contagem de votos paralelo ao realizado pelo Tribunal. A apuração teria uma margem de erro de menos de cinco por cento em relação ao resultado final. Essa contagem paralela de votos seria comparada aos dados de votação dos TREs (Tribunais Regionais Eleitorais), que seriam cedidos aos técnicos das Forças Armadas pelo TSE, o que permitiria a apuração em tempo real.
Vem
Talvez se dando conta do precedente que abrira, o TSE apressou-se em esclarecer que a única mudança sobre contagem de votos feita nas eleições de 2022 será a publicação dos boletins de urna na internet “para acesso amplo e irrestrito de todas as entidades fiscalizadoras e do público em geral”. Fora isso, não há nenhuma alteração na apuração dos votos, que desde a redemocratização nunca contou com a participação das Forças Armadas.
Existem hoje duas frentes de fiscalização do processo eleitoral nas quais os militares atuam. A primeira diz respeito ao acompanhamento do teste de integridade das urnas e a segunda consiste na inspeção dos códigos-fonte dos aparelhos para conferir o funcionamento dos softwares instalados neles. Parte dos militares corrobora o discurso do presidente Jair Bolsonaro, que tem feito ataques infundados ao sistema eleitoral, alegando, sem provas, fraude nas urnas eletrônicas, o que aumenta os temores de uma tentativa de ruptura com a democracia no pleito marcado para outubro.
De sua parte, o Ministério da Defesa denominou de “acompanhamento da totalização” o plano de fiscalização dos militares. A pressa dos militares coincide com a pressão que o presidente Jair Bolsonaro vem fazendo desde o mês de abril, sobre uma apuração paralela. A ideia era que a totalização paralela dependeria de uma decisão política, como admitiu o Ministro da Defesa, General Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira. A contagem dos militares usaria os boletins impressos pelas urnas eletrônicas após o encerramento da votação.
E fica…
Uma semana depois da primeira notícia, o presidente do TSE, Alexandre de Moraes, reúne a imprensa e autoridades em ato solene para anunciar ter aceitado a sugestão das Forças Armadas e utilizar biometria em 56 das 640 urnas que farão parte do teste de integridade no dia da eleição. Ao todo, 18 Estados e o Distrito Federal devem usar esse tipo de testagem biométrica. Segundo o Tribunal, a utilização da tecnologia de impressão digital é um projeto-piloto e o resultado da auditoria tradicional, sem biometria.
“A Justiça Eleitoral, aberta a inovações e sugestões, mantém o que vem dando certo para garantir a total lisura das eleições, entre essas ações, o teste de integridade. Vamos testar esse projeto-piloto para ver se vale a pena ampliar a biometria para todas as seções ou se não há essa necessidade, deixando-o como sempre foi”, afirmou o presidente.
Ou seja, a Viúva Porcina acabou não sendo.
É que cautela e caldo de galinha não fazem mal a ninguém.
Nota do Editor – Viúva Porcina foi uma personagem da novela Roque Santeiro, de Dias Gomes, exibida na TV Globo, entre 1985/86. Venerada como viúva, Porcina nunca foi casada com o suposto marido Roque Santeiro. Ou seja, foi viúva sem nunca ter sido)