Esse final de semana estive numa piscina de clube para aliviar o calor quase insuportável da cidade de Porto Alegre. Sentada à sombra depois do mergulho, fiquei fazendo outro exercício que me agrada muito: observar as pessoas. Entre vais e vens de sócios, observei uma senhora de idade bem mais avançada, uma idosa. Ela usava um biquíni vermelho e tinha uma agilidade e uma energia bastante invejáveis, era uma mulher muito bonita. Pela altura e pelo tipo físico, pensei: “Bem que ela podia ser eu quando eu chegar lá, se eu conseguir chegar lá dessa forma”. Lembrei de uma sensação antiga que tenho. Desde menina, o tema da finitude me fascina, não à toa me levando para minha primeira especialização enquanto psicóloga, a de atendimento a pacientes oncológicos, com interesse especial na área de cuidados paliativos. Mas a sensação tem a ver com o medo da morte, sentia muito na infância e adolescência e no meu questionamento sobre como era possível uma observação totalmente empírica que tinha de que, paradoxalmente, quanto mais velhas as pessoas ao meu redor iam ficando, menos medo da morte elas pareciam ter.
Como isso seria possível se supostamente elas estariam justamente chegando cada vez mais perto desse momento? Mas voltando à charmosa senhora do biquíni vermelho, fiquei pensando em que momento ela percebeu que poderia ser considerada idosa? Aliás, aqui fica outra ressalva para o etarismo nosso de cada dia e o quanto as terminologias que cercam essa faixa etária ficam nubladas e difíceis. Lembro de uma coordenadora incrível de seminário da minha formação psicanalítica que focava seus estudos justamente na velhice e que falava justamente que temos tanta dificuldade em nos deparar com a velhice que começamos a criar eufemismos e nomes menos explícitos. Idosos, terceira idade, melhor idade, etc. quando, na verdade, a palavra correta é de fato, velhos. Por que velhice se tornou um termo tão pejorativo? Olhei aquela senhora bonita de cabelos brancos e pele enrugada passando diante de mim, querendo muito sentar com ela para conversar e saber como foi o caminho dela, que opinião teria sobre a malandragem que o tempo tem de passar assim de um jeito sorrateiro e que subitamente nos faz olhar no espelho e darmo-nos conta de que ele passou correndo sem nem pedir licença e agora a enrugada sou eu? Alguém sabe me dizer como se aprende a envelhecer sem discursos prontos ou tentativas frustradas de conselhos que só servem para iludir o próprio conselheiro de que sabe ou soube envelhecer? Numa sociedade produtivista e que tem pavor da finitude, como se aprende sobre o declínio de si enquanto organismo?
Eu não sei bem o que mais se passou em mim naquela manhã na piscina, mas entendi aquele como um dos momentos em que a vida parece parar um segundo e alertar para que tenhamos atenção. Como se ali o futuro tivesse vindo me avisar para prestar atenção ao agora e que a mesma Luciane que hoje já reclama dos cabelos brancos e das rugas na pele logo estará ali caminhando de biquíni vermelho (oxalá eu seja essa) sem nem me dar conta. Quero tentar prestar mais atenção ao tempo, mesmo sabendo que ele foi feito para passar despercebido mesmo, do contrário talvez não aproveitaríamos tanto sua passagem porque tentaríamos, mais do que já fazemos, segurá-lo e dominá-lo. Mas aí lembro sempre da maravilhosa Nana Caymi cantando aquela canção em que ela conversa com o tempo:
“Ele ri
Diz que somos iguais
Se eu notei
Pois não sabe ficar
E eu também não sei”
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Foto da Capa: Gerada por IA