A era da informação e da desinformação é tão extenuante… O cansaço parece vitalício, já que o descanso tem se confundido com um entretenimento vertiginoso. Até mesmo ir ao banheiro deixou de ser simplesmente evacuar, mas, ao contrário, entupir-se com mais do que já temos: rolagem e deriva. Perdoem a escatologia; é que acho que estamos meio sem bordas mesmo. Peço licença para um saudosismo, mas, pensando bem, o banheiro já não é mais o templo que era.
Nossos usos das tecnologias propõem atualização constante não somente em nossos apps, mas também em nossa mente, com um entorpecimento contínuo de notícias horríveis e memes sobre as mesmas notícias horríveis. Já não somos mais como a canção de Raul Seixas, pois não temos mais “aquela velha opinião formada sobre tudo”. Ao contrário, há sempre uma nova ideia, proposta, conceito, terminologia e disputa jogada em uma cabeça ávida por qualquer tipo de consumo. Em todo o caso, estimo que não se trata da metamorfose ambulante – porém criativa – de Raul, mas de um vórtex ininterrupto de caos desinformativo, acumulação de tralhas mentais, estupidezes e vacilações em coisas óbvias como reconhecer um gesto nazista quando alguém realiza um gesto nazista. Há uma guerra por nossa cabeça, nossos likes e bolsos. Essa guerra requer nossa imbecilização.
Estive pensando em como seria a resposta de Freud a Einstein sobre a guerra e seus motivos de existência, se a houvesse escrito depois de seu exílio forçado a Londres, quer dizer, depois de saber que seus livros foram queimados e que quatro de suas cinco irmãs foram mortas em campos de concentração nazistas. Vou mais longe. Como seria a resposta freudiana se conhecesse e admitisse todas as atrocidades perpetradas antes e durante séculos aos africanos escravizados? A luta – ou colaboração – entre Eros e pulsão de morte explica, mas não apazigua. Na resposta pessimista e com alguns matizes conservadores – talvez para melhor destoar da verve humanitária do famoso físico –, Freud deixa entrever uma necessidade quase biológica da guerra, como, de igual modo, naturaliza como quase inescapável o princípio que se opõe às guerras.
Mas, e quando não sabemos que estamos em guerra?
Deveríamos saber, mas estamos em uma guerra híbrida e faz parte dela o fato de que agora um dos anjos tronchos do Vale do Silício constrói carros elétricos com uma mão – ecologia duvidosa, mas enfim – enquanto faz gesto nazi com a outra.
Apesar de não ser super fã dessa carta de Freud a Einstein, reconheço vários de seus méritos e um deles é a escrita na qual extraiu do tema espinhoso alguma poesia. Ali, Freud, reconhecendo a genialidade das formulações de Einstein sobre a guerra, lhe diz algo como: Você me tirou o vento das velas com a sua carta. Em outras palavras, não podia dizer muito mais sobre o assunto. De nossa parte, seguiremos, já que a guerra é outra.
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Foto da Capa: Montagem / Wikimedia Commons