Tenho uma curiosidade enorme em descobrir de onde vem essa obsessão que se abate sobre alguns sujeitos em construir um castelo, o seu castelo. Falo dessas construções que de alguma forma ou outra não nos deixam dúvida, ali houve a intenção de construção de um palácio real. Essa certeza pode ser por causa das paredes de pedra perfuradas por pequenas janelas de formato ogival, da torre saliente no centro ou lateral da fachada ou do infalível coroamento recortado. Não sei se a inspiração vem das ilustrações das histórias infantis, do cinema ou da junção de partes de castelos antigos que ainda existem pela Europa. A inspiração é via de regra de imagens medievais. Se tiver um fosso e uma ponte levadiça, maravilha! Imagem perfeita!
Essa vontade de construção fantasiosa também se espalhou para o lado dos negócios. Na minha lembrança isso começou com a indústria do vinho, mas pode ser anterior. Lembro da repercussão na imprensa local quando a Chateau Lacave (foto da capa), nos anos 1970, começou a construir sua vinícola em forma de um “legítimo” castelo. Afinal, por que não reproduzir em arquitetura o próprio nome de seu vinho? Deve ter dado muito certo, pois logo apareceram lojas de beira de estrada vendendo vinhos e frios para os viajantes em forma de castelos.
Não sei se estou inventando uma ordem inexistente, mas acho que em seguida a fantasia foi percebida como promissora pelos donos de motéis. Eles se proliferaram rapidamente. Imagino que príncipes e princesas perdidos por aí, finalmente encontraram um ninho de amor condizente com seu status. E como fantasia é fantasia, mais inventivos eles passaram a ser, agregando tochas, elmos e sei mais o quê para não deixar dúvida: um castelo aguardando sua realeza.
O que mais me chocou, porém, até hoje, foi a construção de dois pequenos prédios de apartamentos residenciais com formato de castelo em Porto Alegre. Com direito a lanças e esculturas de cavaleiros em suas armaduras! E mais espantado fiquei ao perceber que os apartamentos foram ocupados e passam bem. A nobreza porto-alegrense está bem instalada, obrigado.
Essas bizarrices fazem parte da paisagem de qualquer cidade, não tem jeito. A sorte é que são modestas em seu tamanho. São percebidas só de muito perto, causam uma certa estranheza, para não dizer espanto, mas não chegam a incomodar. Se prestam ao riso, mais do que qualquer coisa. O que tem me preocupado, na verdade, é o nascimento de uma nova obsessão atávica, essa mais volumosa e impertinente. Essa nos condena, em sua prepotência, a conviver com sua presença mesmo a grande distância. Falo dos arranha-céus.
Nascido nos Estados Unidos, mais precisamente em Chicago, ainda no século XIX, virou símbolo de alguma coisa que não sei precisar. Falos gigantescos diriam os psi. Não sei, o fato é que cidades passaram a disputar qual conseguiria fazer o maior do mundo, dando início a uma corrida maluca; primeiro entre as cidades americanas e depois pelo mundo. Os americanos acabaram desistindo dessa corrida quando os asiáticos mostraram seu poder de topo, digo, de fogo. E esses desistiram quando os árabes entraram com seus imbatíveis petrodólares. É por lá que de fato o céu parece ser o limite. A Europa, ciosa de seu patrimônio histórico e cultural, nunca embarcou nessa aventura. Não que não haja espigões exagerados aqui ou ali, mas as leis nunca foram liberalizadas a ponto de permitirem o uso desmedido do solo. Por mais liberal que a Inglaterra seja, por exemplo, há ali um sentimento muito grande de solo comunitário. Ninguém é livre para fazer o que quiser com a terra urbana. Londres, por mais que nossos construtores digam o contrário ao olhar apenas para a City londrina, é uma cidade muito baixa, muito mais baixa do que qualquer capital brasileira.
Para nós aqui restou a terceira divisão. Mais por falta de capital do que de liberalidade. Camboriú se orgulha de ter um prédio com 66 andares, um nada perto dos 163 pavimentos do mais alto do mundo localizado, claro, em Dubai. Mas Camboriú é uma exceção, os campeões da América Latina mal e mal roçam os 50 pavimentos. Deveríamos ficar tristes, inferiorizados nessa corrida maluca? Claro que não! É possível abrigar muita gente, chegando a altas densidades, com edifícios que não passem dos 6 pavimentos (Paris) ou dos 13 (Copacabana). Essa vontade de concentrar verticalmente num mesmo lugar o que pode ser distribuído por quarteirões é inexplicável cientificamente, não há razão de ser. Basta olhar para a Inglaterra ou Holanda para entender. Mas não estou dizendo que não existam bons argumentos para essa opção, sempre os há. Até a indústria do fumo os tinha…
Não vou entrar no mérito dessas paixões por castelos ou falos gigantescos. O que me preocupa, e muito, é que descobri que nosso habilidoso prefeito, no sentido político – consegue o que quer na Câmara – aprovou a liberação de altura para a construção de edifícios no Centro Histórico – sim é este o nome do lugar – e no Quarto Distrito. Igualzinho a Camboriú e Dubai. Por quê? Só pode ser por essa inexplicável paixão atávica que move os construtores de castelos. Um verdadeiro fetiche.
O problema é que, dessa vez vamos ser obrigados a vê-los a quilômetros de distância, conviver com sua sombra, com sua dificuldade de integração com a vizinhança. Eles são autorreferentes, não se interessam pela cidade. Não criam adjacência agradável na sua redondeza. Equivalem aos shoppings centers, uma espécie de buraco negro urbano. Estão ali para gozo próprio, como todo bom fetichista.